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Ficções sobre o futuro frequentemente dizem mais respeito à visão que temos do presente do que efetivamente a uma expectativa do porvir.
A máxima é verdadeira em se tratando da peça Ausência, um dos destaques do 8º Festival Palco Giratório Sesc-POA, com sessões sábado e domingo, às 20h, no Teatro Sesc Centro. O espetáculo solo com o ator Luis Melo é inspirado em um artigo científico sobre o asteroide Apophis, que passará perto da Terra em 2029 e em 2036, nesta segunda vez com risco de colisão. Haveria inclusive uma data para o acontecimento: 4 de abril. É neste dia que se passa a peça. Em cena, no entanto, as referências espaciais e temporais são descartadas. A ideia é criar uma história atemporal.
Ao enredo: em um futuro nada auspicioso, um homem vive enclausurado no último piso de um arranha-céu. As únicas companhias são um peixe em um aquário e uma boneca. Do lado de fora, o caos se instala. Recursos como energia elétrica e água são racionados. É preciso máscara de oxigênio para abrir a janela, tamanha a insalubridade do ar.
Não há palavra em cena, exceto por um trecho gravado de um texto da dramaturga inglesa Sarah Kane (1971 - 1999). A atuação de Luis Melo se dá dentro da proposta de um teatro gestual, levada a cabo, há tempos, pela dupla André Curti e Artur Ribeiro, que assinam dramaturgia e direção. A realização é da companhia franco-brasileira Dos à Deux, criada por ambos em 1997. A ausência de que fala o título do espetáculo é, mais do que nunca, atual, argumenta Luis Melo:
- Conheço pessoas que vivem em frente à lagoa Rodrigo de Freitas e não conseguem sair de casa por medo. Estamos sempre em pânico, com medo do desconhecido. Encontramos muitos jovens com síndromes. As pessoas também evitam sair à noite por medo da violência.
Em sua clausura - voluntária ou não -, o personagem interpretado por ele enfrenta dilemas de sobrevivência. Um deles diz respeito ao animal de estimação: na escassez de água, deve beber ou não o conteúdo do aquário onde está o peixe?
- São coisas do ser humano. Você tem que pensar no outro. Se você tem um cachorro em casa, muitas vezes evita sair porque não tem com quem deixá-lo - compara o ator.
Melo explica que o espetáculo foi criado para ser contemplado como se o público assistisse a um vizinho da janela de casa. Não se sabe da história pregressa do personagem. A trama é criada a partir do recorte de existência visto aqui e agora. Com tantos silêncios e angústias, Ausência é um espetáculo de difícil fruição? Melo garante que não:
- O espetáculo é muito delicado. O público, às vezes, se diverte, se emociona. Esse personagem é muito humano, existe uma identificação forte com a plateia. As pessoas têm momentos de violência e de carinho. É universal.
AUSÊNCIA
Dramaturgia e direção de André Curti e Artur Ribeiro. Com Luis Melo.
Sábado e domingo, às 20h. Duração: 50 minutos. Classificação etária: 14 anos.
Teatro Sesc Centro (Alberto Bins, 665), fone (51) 3284-2070, em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 20 (público geral), R$ 10 (estudantes, idosos, classe artística e empresários com Cartão Sesc/Senac) e R$ 5 (comerciários e dependentes com Cartão Sesc/Senac). À venda no local, uma hora antes do espetáculo.