Há 50 anos, o então estudante Carlos Alberto Dayrell subiu em uma árvore tipuana prestes a ser abatida com outros vegetais na calçada em frente à Faculdade de Direito da UFRGS, na Avenida João Pessoa, em Porto Alegre.
Naquele 25 de fevereiro de 1975, em pleno período da ditadura militar e da repressão, o gesto do universitário — que contou com as participações dos estudantes Marcos Saraçol (Matemática) e Teresa Jardim (Biblioteconomia) — entrou para a história da luta pela ecologia no Rio Grande do Sul.
Na época, Dayrell tinha 21 anos, cursava Engenharia Elétrica na UFRGS e integrava a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). Em torno das 10h30min, saiu da Casa do Estudante, onde morava, e dirigiu-se junto de Saraçol para renovar a matrícula no curso.
— Quando atravessamos a avenida e descemos em direção à Reitoria, vimos um tanto de árvores que tinham sido cortadas — recorda Dayrell, que atualmente tem 71 anos e vive em Montes Claros, no norte de Minas Gerais.
Funcionários da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) empunhavam motosserras e cortavam diversas árvores. Os vegetais obstruíam o caminho pelo qual seria construído o Viaduto Imperatriz Leopoldina — que veio a ser erguido com um trajeto adaptado.
Estamos caminhando a passos largos para um processo de inviabilidade da vida humana, onde os mais pobres vão sofrer, como vocês viram aí no RS com a tragédia que aconteceu
CARLOS ALBERTO DAYRELL
Agroambientalista que, em 1975, fez o gesto histórico de subir em uma árvore para impedir que fosse derrubada
— Tinha não sei quantas árvores caídas no chão. E as pessoas passavam e era como se fosse uma coisa normal. Nunca me esqueço que no outro lado da rua estava tendo a destruição de um prédio com tratores que têm aquelas bolas de ferro que batem na parede. Todo mundo inteligente estava olhando e achando normal a derrubada das árvores. Me lembrei logo das conversas que tínhamos na Agapan e disse para o Marcos (Saraçol, colega) que precisávamos fazer alguma coisa — lembra Dayrell, que hoje atribui seu ato ao fato de ter participado da associação ambiental.
Os dois estudantes chegaram perto de uma árvore que ainda seria cortada e perceberam que era alta demais para conseguirem subir. Mas havia uma escada dos garis no local.
— Peguei a escada e subi lá para cima. Nem os garis entenderam o que estava acontecendo. Eles perguntaram: "O que foi, guri?". E eu disse: "Não vão cortar essa árvore, não" — diverte-se com as lembranças de meio século atrás.
Forma-se uma aglomeração
Nascido em 1953 em Sete Lagoas, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), Dayrell chegou a Porto Alegre em 1970. Tinha apenas 17 anos. Trabalhou primeiro como bancário no Banco Mineiro do Oeste (adquirido posteriormente pelo Bradesco). Passou no vestibular da UFRGS para cursar Engenharia Elétrica, mas se apaixonou por Agronomia e trocou de curso mais tarde.
Conforme Dayrell, assim que subiu nos galhos mais altos em 1975, chegaram pessoas e se formou uma aglomeração no entorno da árvore. A imprensa ficou sabendo e se dirigiu para o local, assim como integrantes da Agapan, inclusive o ambientalista José Lutzenberger, e o Corpo de Bombeiros. A polícia demorou para chegar, segundo conta.
— Eu estava lá sozinho e pedi para mais gente subir. Aí subiram o Marcos e a Teresa Jardim, que eu não conhecia e estava com a sobrinha do lado. Quando estávamos nós três juntos, sentimos mais segurança — compartilha.
O clima fica tenso
Naquele momento, Dayrell não imaginava a repercussão de sua atitude. Ele menciona que o apoio dos demais estudantes foi fundamental, pois alcançavam água, suco, sanduíches e corda para os três em cima da árvore. Também foram dados para os universitários cartazes com dizeres como "+ Verde, – Concreto".
— Na hora em que chegou a polícia, o clima ficou muito tenso — pontua.
As horas foram avançando e nada dos três descerem da tipuana. O então diretor da Faculdade de Engenharia, Adamastor Uriartt, foi negociar com os estudantes em cima da árvore.
Decidiram que Dayrell, Lutzenberger e o então secretário da Agapan, Augusto Carneiro, deveriam ir juntos até a sede da prefeitura para resolver o impasse com o então prefeito Telmo Thompson Flores, que não aceitou dialogar.
Enquanto isso, os outros dois alunos permaneceriam em cima do vegetal até a questão ser resolvida. Dezenas de pessoas acompanhavam a cena.
O titular da Smov da época conversou com os enviados e garantiu a segurança de todos. Com a notícia do acordo, os dois estudantes desceram da árvore. Mas foram detidos pela Brigada Militar. Naquele momento, houve reação dos presentes e teve início uma confusão.
— Aí começou o quebra-pau. Nós chegamos nesse horário e estava aquele tumulto geral — menciona.
Esclarecimentos ao Dops
Os dois estudantes foram conduzidos para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Dayrell não foi identificado em meio ao tumulto, mas decidiu se dirigir para a sede do Dops para aguardar a liberação dos colegas.
Os universitários foram soltos na mesma noite. Posteriormente, na companhia de um advogado, Dayrell precisou dar esclarecimentos no Dops em mais de uma oportunidade.
Dessa história de tempos utópicos, o que importa é que a árvore foi preservada e permanece viva até hoje. Uma placa em reconhecimento ao ato dos estudantes pode ser vista no lado interno do pátio da Faculdade de Direito. A homenagem fica localizada quase em frente à tipuana. Em 1998, Dayrell foi agraciado com o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre.
Pessimista com o futuro
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Atualmente, Dayrell reconhece que existe uma consciência ambiental mais ampla. Porém, lamenta que o meio ambiente permaneça sendo devastado e que não haja medidas para a reversão desse cenário.
A visão do agroambientalista, que deverá visitar Porto Alegre em abril deste ano, é bastante pessimista em relação ao futuro.
— Estamos vivendo a antevéspera de uma catástrofe de grande escala. Estamos caminhando a passos largos para um processo de inviabilidade da vida humana, em que os mais pobres vão sofrer, como vocês viram aí no Rio Grande do Sul com a tragédia que aconteceu.
Ele ressalta que a tragédia climática não é um caso isolado: está ocorrendo em diferentes lugares do Brasil e do mundo.
— Infelizmente, vivemos sob um arcabouço de comunicação de informação que deixa as pessoas iludidas. A maior parte da juventude não tem noção do quanto consome de excesso de plástico, de produtos industrializados e do lixo produzido. Esse modelo econômico associado ao capitalismo está destruindo tudo — alerta.
Evento lembra o episódio
Nesta terça-feira (25), a partir das 17h, um ato chamado Abraço à Tipuana será realizado em frente à árvore por ambientalistas e entidades para celebrar os 50 anos do episódio.