Nova York - Em 1979, cerca de cem pessoas se encontraram no Hotel Gramercy Park para a primeira reunião da Sociedade Jane Austen da América do Norte, vestidos num estilo que foi resumido pela revista The New Yorker como "vestidos de festa, joias aparentemente apagadas, jaquetas de aparência confortável".
Quando a sociedade levou recentemente seu encontro anual ao Marriott, no centro do Brooklyn, para uma espécie de volta ao lar, as coisas estavam bastante diferentes. Havia mais de 700 pessoas, o evento durou três dias, e o traje diurno de muitos deles se encaminhou para os pálidos vestidos em estilo Regency, castos chapeuzinhos atados com fitas e cestos de palha para segurar tudo que não se enquadrasse ao figurino de época.
- Este é um lugar onde as pessoas podem hastear a sua bandeira por Jane Austen - diz Julia Matson, de Minneapolis, criadora de uma linha de chás com temas austenianos (Sr. Darcy: "de começo forte, mas com final suave"), que veio para seu terceiro encontro.
Era também um lugar para voltar aos textos e, este ano, a JASNA - sigla do inglês pela qual a sociedade é conhecida - reuniu alguns grandes nomes para fazer as palestras principais sobre o tema do encontro: poder, dinheiro e sexo.
Cornel West, que se descreve como um fanático pela obra, pôs a casa abaixo com um sermão estrondoso que, numa manhã de sábado, tratou da compreensão de Austen sobre o sofrimento humano, passando por nomes como Sófocles, Shakespeare, Tchekov e Leo Strauss. Sandy Lerner, cofundadora da Cisco Systems e fundadora da biblioteca Chawton House (próxima à casinha de campo em Hampshire onde Austen escreveu algumas de suas novelas), falou do fraco entendimento da autora no que se refere ao dinheiro.
Mas foi a romancista Anna Quindlen que deu o tom ao fim de semana com uma inflamada fala lamentando dois séculos de condescendência masculina para com os dramas aparentemente pequenos e domésticos da autora.
- Me dá raiva que só houvesse homens em seu funeral - diz Quindlen, notando que a lápide de Austen na Catedral de Winchester não faz nenhuma menção a seus livros. Ela também lembrou o nome de outro homem que quis enterrar Austen, professor no Barnard College nos anos 1960 que a descartou como uma "novelista de segundo escalão" - algo que ele não diria agora, diz Quindlen, mesmo se ainda pensasse assim.
Foi um insulto que a plateia majoritariamente feminina pareceu levar para o lado pessoal, algumas das presentes chegando a vaiar às menções a Jonathan Franzen e à "desdenhosa literatura de mulher" feitas por Quindlen. Austen, na verdade, teve muitos admiradores masculinos de primeira hora, e o termo "Janeíte" - cunhado pelo crítico George Saintsbury em 1894 - foi assumido por fãs homens como Rudyard Kipling, que o portava orgulhosamente. Mas, no século XX, ele veio a ser aplicado ao tipo "errado" de leitor: excessivamente efusivo, sem formação acadêmica e, em geral, mulher.
Em seu novo livro, "Jane Austen's Cults and Cultures" ("Cultos e Culturas de Jane Austen"), a estudiosa da Universidade de Princeton Claudia L. Johnson atribui a origem do abismo entre os acadêmicos e os fãs de Austen ao ensaio seminal de D. W. Harding "Regulated Hatred" ("Ódio Regulado"), que sugeriu que a própria Austen desprezaria os leitores embriagados, incapazes de reconhecer que suas novelas tratam da "erupção do medo e do ódio nas relações da vida social cotidiana".
Ódio que certamente não havia no Brooklyn, onde a ênfase foi depositada na celebração, entre irmãs, da mulher a quem Henry James chamou, com falsidade, de "querida de todos, Jane".
Numa oficina com grande público chamada "Vestindo as Senhoritas Bennet", Lisa Brown, uma revisora de livros e especialista na Armada Real Britânica de Rochester, estado de Nova York, conduziu o público pelos traços básicos das vestimentas da Regência britânica.
- Está tudo no suporte - diz ela, apontando para um sutiã tomara-que-caia numa boneca inflável chamada de Lydia, como a cabeça-de-vento da família Bennet. - A coisa mais importante para conseguir essa aparência é a roupa de baixo.- Brown acrescentou que uma senhora adequada desse período usaria calcinhas abertas embaixo, se usasse (tirá-las para usar o banheiro era complicado demais).
Mary Ann O'Farrell, professora de inglês da Universidade do Texas A&M, que fazia sua primeira palestra à sociedade (sobre etiqueta em Austen), disse estar surpresa pelo fato de uma referência a um texto seu ter produzido grande risada. O título: "Bin Laden, um grande fã de Jane Austen: Jane Austen no discurso político contemporâneo".
- As pessoas aqui são leitores muito mais sofisticados de Austen do que o mundo pensa - diz ela. - Elas querem pensar criticamente, em ambos sentidos da palavra.
Alguns estudiosos no encontro disseram que colegas mais idosos os haviam desencorajado de se envolver demais com o grupo, para que não fossem capturados pelas "efusões imaginativas", como disse um deles - ou pior, serem fotografados fantasiados. E, certamente, o evento produz algum choque cultural.
- Quando vim pela primeira vez, na pós-graduação, fiquei um tanto assustada com tanto ardor - diz Juliette Wells, professora associada do Goucher College e autora de "Todo mundo é Jane", um estudo de Austen e cultura pop. "Não tinha certeza se voltaria."
Mas a sociedade, diz Wells, "foi muito boa para mim", afirmação ecoada por outros acadêmicos que mencionaram suas bolsas de investigação e seu jornal científico, intitulado "Persuasions" ("Persuasões"). Mais importante ainda, dizem eles, é a chance de falar a um público que leu tudo - às vezes vinte ou trinta vezes.
O conhecimento do público vai frequentemente muito além das seis novelas de Austen. Numa fala sobre os temas do interesse na ficção de Austen (que incluiu uma lista de toda a informação financeira oferecida sobre quarenta personagens, distribuída ao público), Marilyn Francus, professora associada da Universidade de West Virginia, se perguntou em voz alta como todos saberiam, ao início de "Orgulho e Preconceito", que o Sr. Darcy ganhava dez mil libras ao ano.
Um membro da plateia gritou que informações detalhadas sobre heranças eram publicadas em jornais, como parte da legitimação de um testamento. Outro notou que cavalheiros tinham, às vezes, de listar publicamente sua renda, como prova de crédito.
- Aprendo tanto com essas pessoas - diz Francus. - Eu nunca ousaria me sentir superior a uma plateia da JASNA.
The New York Times
Muito orgulho e algum preconceito em reunião da Sociedade Jane Austen da América do Norte
Com direito a trajes de época, fãs da autora britânica se reuniram por três dias em Nova York
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