Podemos pensar em dança, teatro visual ou performance. Mas para pensar em Fuerzabruta talvez seja mais coerente pensar em divertimento, show. Nele, os personagens dão lugar a personas. A narrativa é muito simples. O que existe é um tempo/espaço compartilhado com a plateia, alicerçado num estatuto de "real", percorrido por fluxos de intensidade sensorial (o que é visto, ouvido e principalmente sentido, pois o movimento-dança serve como um espaço de convivência entre artistas-público).
> Estreia de "Fuerzabruta" surpreende o público com efeitos visuais
Até aí tudo bem, pois sou um entusiasta da experimentação, um louco por imagens e já derreti bastante o meu "drama". Mas sou artista, um tipo de público muito específico. Ao assistir a um espetáculo, me atenho a sua realidade, ao que ele mobiliza concretamente para, quem sabe (e aí vem o jogo da complexidade), poder alçar voos subjetivos, particulares. Gostei de ter ido, gostei de alguns momentos, sobretudo o da piscina, e recomendo para todos. Mas tenho que dizer que ele não me afeta para além do entretenimento calculado, do efeito. Não me provoca, não indica possibilidades estéticas, não me põe em risco, não abre espaços para a minha imaginação.
Mas por que será que não fui afetado? Deve ser porque sou avesso à lógica do prazer imediato do parque de diversões, não gosto sequer de balada. Ou pelo quão limitadas são as imagens mostradas, simplesmente por não criarem, em sua execução, nenhuma diferença-transformação, começando e acabando iguais, organizadas linearmente. O homem corre, vemos a parede entrar lentamente, sabemos que ele vai estourá-la. E isso acontece pelo menos quatro vezes. Então o jogo se inverte. O "real" da ação não faz diferença, pois estamos já numa máquina de simulação. Num show bastante previsível, onde o volume da música deveria corresponder ao volume da emoção. O que era para ser aberto à imaginação acaba se fechando, e o tédio grassa. E isso é uma contradição.
Em Fuerzabruta, tudo já passou pelo crivo do mercado mundial do entretenimento, é pop até dizer chega, é seguro, não oferece risco nem peste, foi já digerido. É mais um produto, uma máquina de lucro no campo do entretenimento, e funciona como um relógio, já que a adesão ao espetáculo é mundial, coisa de publicitário (vale dizer que os caras têm quatro homepages operantes e estão simultaneamente em cartaz em várias cidades grandes, mundo afora). Fuerzabruta é como muitos outros espetáculos fast food, que caem em cheio no gosto de um público ávido por estímulo e consumo veloz, tais como Stomp, Blue Man Group, Voca People, Cirque du Soleil, musicais da Broadway, Disney on Ice, que têm essa propriedade intrínseca de se tornarem franquias. São modelos multiplicados ao infinito enquanto gerarem lucro. E sim, pessoal, esses shows podem ser muito legais, dependendo do dia, da chuva e do seu apetite... Agora, vale lembrar: hambúrguer em demasia pode fazer mal. Entope as artérias e deixa as papilas gustativas preguiçosas para pratos mais misteriosos. Mas a quem isso realmente importa?
* Encenador da Cia. Espaço em BRANCO, performer e professor
Opinião
"Fuerzabruta" cai no gosto de um público ávido por estímulo e consumo veloz
Diretor de teatro João de Ricardo avalia que espetáculo não abre espaços para a imaginação
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