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A programação de final de semana do Festival Porto Alegre Em Cena trouxe pela primeira vez à Capital o trabalho de dois destacados coreógrafos internacionais, apresentados pelo Ballet National de Marseille. O público conferiu, em sessões no sábado e no domingo, obras de uma veterana e de um artista que vem ganhando reconhecimento mundo afora. Lucinda Childs, um dos nomes que marcou a dança pós-moderna americana junto aos criadores da Judson Church, no início da década de 1960, e Emanuel Gat, um dos promissores nomes da atualidade.
Organizing Demons, apresentada na primeira parte do programa, trouxe cinco bailarinos que se deslocam inicialmente pelo palco na mesma direção, mas num orgânico e primoroso painel de movimentos que explora as possibilidades de configuração de cada intérprete. A estrutura coreográfica de Gat é complexa e refinada ao mesmo tempo. Cada um faz uso de diferentes fluxos, acentos, pausas, criando imagens coletivas que se esboçam e se desfazem. O resultado é um trabalho tecnicamente bem resolvido, mas talvez num jogo que parece se esgotar antes do final da peça, deixando à música o desenho dramático.Tempo Vicino, inspirada na obra do compositor John Adams, é tributária de uma fase de Childs em que ela arquiteta a coreografia com pequenas estruturas que se isolam e se repetem, cada vez assumindo novas variações. Nos três movimentos que compõem a peça, a estrutura musical comanda a proposta, simples, singela, límpida. Um exercício precioso, mas de uma criação de menor brilho que não dá a dimensão da potência da artista. O minimalismo capaz de promover uma ressonância arrebatadora parece tímido no trabalho.
Ainda que, pelos aplausos, boa parte do público pareça ter saído satisfeita, o que tivemos em cena foi um "aperitivo" do banquete coreográfico que faz parte da produção de ambos. Childs promoveu rupturas nos códigos de dança, colocou bailarinos a dançarem na calçada e o público assistindo pela janela de um apartamento; criou solos a partir de gestos e objetos cotidianos em Carnation (vale conferir na internet) e assinou coreografias minimalistas para obras grandiosas e destemidas como Einstein on the Beach, ao lado de Robert Wilson e Philip Glass. Gat, que era atleta e só começou a se dedicar à dança aos 23 anos, vem assinando trabalhos ousados como uma versão da A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, na qual passos de salsa são usados para pontuar o contexto trágico dos personagens.
Enfim, um programa importante por trazer referências da dança, que podem levar cinco décadas para chegar à Capital, como no caso de Childs. Mas um programa que é apenas um aceno da grandeza, da originalidade e da força dos dois artistas.