Camilo de Lélis fala sobre xamanismo, arte primitiva, Einstein, budismo e o conceito de reconhecimento de Honneth. Seu discurso interdisciplinar causaria inveja ao mais resoluto acadêmico se não fosse a ligação com o conhecimento não institucionalizado.
- Tenho um lado místico que coincide com o do padre Landell (de Moura). Somos uma antena, nossa mente está em contato com todo o universo - resume, em referência ao protagonista da peça que estreia amanhã, em Porto Alegre.
Depois de Jacobina - Uma Balada para o Cristo Mulher (1995), Os Crimes da Rua Arvoredo (1999) e Maria Degolada - Um Mito de Porto Alegre (2001), o diretor volta a encenar um texto do letrista e dramaturgo Hercules Grecco (morto em 2007) baseado em um episódio da história do Rio Grande do Sul. Landell de Moura - O Incrível Padre Inventor é sobre o clérigo porto-alegrense que foi um dos pioneiros da transmissão de voz sem o uso de fio. Pesquisadores se debruçam com afinco para separar as evidências das especulações a seu respeito, mas De Lélis não compartilha da mesma missão. Na peça da Cia. Teatral Face & Carretos, realidade e ficção se confundem deliberadamente.
- O que me atraiu foi o lado da parapsicologia. É a parte mais teatral - garante.
A história é ambientada no Brasil na virada do século 19 para o 20, em um cenário em que padres e prostitutas se relacionam amigavelmente. Uma delas (interpretada por Renata de Lélis, filha do diretor) se aproxima de Landell (Leonardo Barison), que viaja a São Paulo para testar sua invenção de transmissão de voz.
Em sua empreitada científica, recebe a admiração de Padre Tomé (Marcos Chaves) e enfrenta a descrença de Padre Jerônimo (Rafael Franskowiak). O dado extrassensorial fica por conta da presença de um inventor de outros tempos, Bartolomeu de Gusmão (1685 - 1724), representado por Luís Franke. Também estão no elenco Ariane Guerra, Plínio Marcos Rodrigues e Wagner dos Santos. A segunda parte do espetáculo mostra um Landell místico, praticante do exorcismo.
Na encenação, combinam-se farsa, sátira e melodrama. O estilo predominante, segundo o diretor, é o teatro épico. Não o épico de Brecht, mas ainda assim épico.
- Queria uma peça que contasse uma vida complexa de forma simples - afirma De Lélis, que se diz liberal com as "incoerências". - Parei de tentar provar algo com o teatro. Aqui, deixo muitas leituras em aberto. O Bartolomeu é um amigo invisível. Pode ser um espírito, na visão dos espíritas, ou um santo, para os católicos.
Trinta anos depois da criação da Face e Carretos, com nome reconhecido no meio teatral e financiamento da Funarte no novo espetáculo, De Lélis atesta:
- Me sinto sempre à margem. Não gosto que a mesa esteja arrumada demais.
Landell de Moura - O Incrível Padre Inventor estreia nesta quinta-feira com temporadas de quintas a domingos, às 20h, até 19 de agosto, no Teatro Renascença (Erico Verissimo, 307), fone (51) 3289-8000, em Porto Alegre. Os ingressos custam R$ 20.
A saga de um precursor
Padre Landell de Moura chega ao teatro
"O Incrível Padre Inventor", do diretor Camilo de Lélis, estreia nesta quinta-feira em Porto Alegre
Fábio Prikladnicki
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