Esquisitos. Bizarros. Absurdos. Além da experiência humana. E esta foi a reação mais comedida à safra de 2010 dos rieslings alemães, que forneceu uma colheita inusitadamente pequena de uvas, combinando níveis estratosféricos de acidez a uma doçura inesperada. O resultado foram vinhos singulares, aos quais os produtores germânicos dizem não ter nunca encontrado nada parecido.
Naturalmente, nosso painel do vinho se lançou à oportunidade de degustar uma coleção tão estranha. E, não sabendo nos conter, decidimos abraçar o desconhecido e degustar apenas rieslings do tipo auslese de 2010. Claro, nada é realmente estranho no que se refere aos auslese. Eles apenas estão entre os melhores vinhos que ninguém bebe. Embora os americanos tenham se apaixonado pelos Riesling nos últimos cinco anos, é evidente que os auslese em particular continuam sendo uma joia inexplorada nesse território.
Essa situação deve algo à intimidadora nomenclatura alemã, que organiza as uvas pelo grau de maturação na colheita. Entre as melhores uvas, a escala de maturação começa com a kabinett, clássica, que rende vinhos adocicados, muito delicados e frágeis. Depois delas vêm as spaetlese, mais maduras, e que deixam mais açúcares residuais nos vinhos quando fermentadas, mas que idealmente são equilibradas, complexas e refrescantes.
Só então vêm as auslese, uvas ainda mais maduras, capazes de fazer vinhos, ou bem doces mas agudos e multifacetados, ou voluptuosos e confeitados, quando tocados pelos fungos Botrytis, uma podridão de tipo nobre. Avançando para o fim do espectro há os beerenauslese e as trockenbeerenauslese, vinhos que podem ser quase xaropes, mas tão ácidos que fazem a cabeça explodir.
Isso poderia ser suficientemente complicado, mas esses termos se referem apenas aos níveis de maturação das uvas, e não ao sabor do vinho. Em vez de deixar essa doçura no vinho, os produtores podem fermentar as uvas até secarem, e de fato é isso que muitos fazem. Os alemães cultivaram a tal ponto seu gosto por vinhos secos que a imensa maioria dos rieslings vendidos no mercado interno são secos.
Felizmente, tem-se desenvolvido recentemente todo um novo vocabulário para rotular os vinhos secos, então acabaram os dias de confusão com os auslese trocken - termo que se refere às uvas muito maduras e fermentadas até secarem. Hoje em dia, a maior parte dos rieslings alemães mais doces é exportada. Isso toca a segunda razão - a mais importante - para que tão poucos americanos bebam os ausleses.
Enquanto o gosto americano pelos riesling secos ou quase disparou nos últimos anos, o medo dos brancos doces permanece. Ainda assim, eis os rieslings auslese, vinhos de grande distinção, produto de trabalho árduo e relativamente baratos se vistos num panorama amplo, implorando por atenção. Por quê? Porque ninguém tem ideia do que fazer com eles.
Sim, eles são doces. Mas um bom auslese também é equilibrado por uma acidez refrescante, e a tensão resultante entre o doce e o azedo pode ser excitante e vivaz. Antigamente, cem anos atrás, os alemães em geral envelheciam os ausleses por 10 a 15anos, até que a doçura cedesse. Os vinhos eram considerados as expressões consumadas do terroir germânico e, assim menos doces, de fato iam muito bem com a cozinha local. Hoje, consumidos prepotentemente frutados e jovens, eles ficam deliciosos com comida asiática, seja ela indiana, tailandesa ou chinesa.
Então, o que pode parece como uma categoria estranha de vinhos é, na verdade, uma categoria genial de vinhos. O segredo está em experimentá-los. Foi o que fez nosso painel, com 20 deles, a maior parte da região de Mosel, mas também com alguns de Nahe, Rheinhessen e Pfalz. Florence Fabricant e eu fomos acompanhados nessa degustação por John Slover, sommelier do restaurante Ciano, em Nova York, e por Paul Grieco, proprietário dos bares de vinho Hearth e Terroir, e maestro do festival promocional Verão do Riesling.
Não estávamos degustando simplesmente rieslings, mas aqueles de 2010, uma safra que levou muitos produtores a usarem técnicas que eles dificilmente levam em consideração. A safra foi "cruel com os dogmáticos e gentil com os pragmáticos", disse Terry Theise, líder na importação de vinhos alemães.
Em seu catálogo anual, uma leitura obrigatória para os connoisseurs de bons vinhos alemães e de escrita apaixonada, Theise afirma que 90% dos rieslings alemães de 2010 foram desacidificados, uma manobra arriscada que é melhor evitar, embora ele tenha dito por e-mail que se faz muito com os vinhos mais secos. Os bons auslese de 2010, segundo Theise, dificilmente teriam sido desacidificados.
Quaisquer que tenham sido as técnicas usadas nesses vinhos, nós os consideramos muito inconsistentes, especialmente quanto ao equilíbrio. Penso que os melhores foram aqueles que misturavam doçura voluptuosa e acidez fervente, e aqueles mais deslocados, até rudes. Paul pensou diferente.
"Nenhum deles é de fato um auslese", disse, afirmando que muitos simplesmente não eram suficientemente doces para levar o nome. John disse que os vinhos precisariam de ao menos cinco a dez anos de envelhecimento antes que ele quisesse tomá-los.
Detesto discordar de Paul, o famoso empreendedor do Riesling, mas considero que nossos vinhos favoritos eram auslese excelentes, firmes, frescos e vibrantes. Nosso rótulo número um foi o Erdener Treppchen da Dr. Loosen, que tinha tantas camadas de sabor que parecia ter quatro dimensões. O segundo foi o Forster Kirchenstück, da Eugen Müller, do Pfalz, que era equilibrado, fresco, melífluo e mineral.
"É um exemplo glorioso do que não é um auslese", disse Paul. Eu teria parado em "exemplo glorioso".
Fechando o pódio ficou o maravilhosamente rico e equilibrado Brauneberger Juffer Sonnenuhr da Fritz Haag, do Mosel. Os dois vinhos seguintes, o Karthäuserhof e o Willi Schäfer, mostraram ambos a acidez ardente da safra. O Karthäuserhof a compensou com complexidade de notas minerais, enquanto o Schäfer foi equilibrado por frutas poderosamente untuosas.
O sexto vinho, o Bernkasteler Badstube da Joh. Jos. Prüm, era de um estilo completamente diferente, quase austero e tenso em comparação com os outros, mas ainda assim com grande sentido de complexidade e muito potencial para se desenvolver.
Por mais que tenha gostado de alguns dos vinhos, temo que tenham servido a propósitos opostos. Sim, espero que todos experimentem os riesling auslese, mas talvez, apesar das boas opções, a safra de 2010 não seja a melhor para começar, ao menos não imediatamente. Quem sabe começando por uma mais típica, como 2008 ou 2007, ou mesmo, se você encontrar, os grandes 2001. Compare-os aos 2010 e veja o que acha. De todo modo, acho que você se tornará fã deles.
Notícia
Doçura, com uma mordida
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