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O que vem a sua mente quando pensa em axé music? Verão, Carnaval. Trio elétrico, abadá e suor. Cerveja quente. Tirar o pé do chão, coreografias. Batucada, guitarra baiana. Bell Marques de bandana. Carla Perez e Jacaré passando por debaixo de uma cordinha. Xanddy agachando até o chão.
Seja qual for a associação, o movimento é uma expressão da identidade baiana que redefiniu a música pop brasileira. Em 2025, o axé completa 40 anos.
Fruto de vários gêneros e tendências que flutuavam pela Bahia, especialmente nos trios elétricos do Carnaval, o axé tem como seu marco zero o hit Fricote, que integra o disco Magia (1985), de Luiz Caldas. Misturando estilos afros e sintetizadores, a música rapidamente se espalhou pelo Brasil e evidenciou o cenário efervescente de Salvador.
O axé music não é necessariamente um ritmo. Sua estética musical é composta por diversos estilos e gêneros musicais locais e globais – como frevo, ijexá, samba, reggae, salsa, rock, lambada, entre outros – como explica o pesquisador Armando Castro no artigo Axé music: mitos, verdades e world music.
Por conta dessa pluralidade em sua gênese, o axé não é um gênero musical, mas "interface de estilos e repertórios", como aponta o historiador Milton Moura em A ilha, o Carnaval e o Brasil: Breve estudo sobre o Carnaval de Gameleira no contexto dos Carnavais brasileiros:
“É um repertório formado em torno da ideia de um padrão de sociabilidade baiana exitoso, prazeroso e feliz, fortemente ancorado nos eixos da familiaridade, religiosidade e sensualidade.”
No caso, axé music seria mais como uma representação de tendências de um local, assim como rock gaúcho ou manguebeat, de Recife, Pernambuco.
Entre origens e consagração
Com origem iorubá e amplamente utilizada no candomblé, a palavra axé significa força, poder, realização, felicidade e desejo.
Já o termo axé music é atribuído ao jornalista baiano Hagamenon Brito, tendo se difundido dois anos após o sucesso de Fricote, tornando-se uma gíria para classificar algo como brega. Por ser roqueiro, ele usou a expressão de forma pejorativa na época.
No início, a classificação era vista com estranheza pelos músicos da cena. Mas, aos poucos, o termo foi adotado positivamente, e a axé music extrapolou os limites da Bahia. O movimento passou pela consagração comercial nos anos 1990, se misturou com outros estilos nos anos 2000 e segue até hoje se renovando, com o pagode baiano sendo ritmo protagonista no axé.
A seguir, confira 10 músicas representativas que acompanham a história do axé, dos anos 1980 até os dias de hoje.
Luiz Caldas - Fricote (1985)
É o marco zero, porém polêmico. No documentário Axé – Canto do Povo de Um Lugar (2016), Luiz Caldas classifica a música como boba e emblemática, por ser “a chave dessa porta chamada axé”.
— Mudou muitas vidas, produtores começaram olhar o que ocorria na Bahia — completou.
Com o passar do tempo, a música recebeu críticas com o passar do tempo por seu teor racista na letra. Em entrevista ao jornal O Globo, em 2021, o cantor afirmou que não tocava mais Fricote, ressaltando que a composição não cabe mais atualmente e que é preciso "respeitar as regras".
— Existem várias músicas que não cabem hoje. Se quer viver bem em uma sociedade é preciso respeitar as regras. Admiro essa geração que está colocando muitas coisas no eixo — avaliou Caldas.
Chiclete com Banana - Gritos de Guerra (1986)
Bell Marques está para o Carnaval baiano assim como Armandinho está para o Planeta Atlântida. Assim como o arroz para o feijão. Como a carteira vazia e o final do mês.
Com sua bandana, barba e cabelo comprido, Bell fez história à frente do Chiclete com Banana. A partir de 2014, seguiu em carreira solo, mas o músico continuou sendo um símbolo do axé.
Oriundo da banda Scorpius, o Chiclete inovou no Carnaval de Salvador no início dos anos 1980 ao fecharem a lateral do trio elétrico com caixas de som, além de utilizarem instrumentos de alta potência.
O primeiro grande sucesso do Chiclete foi Gritos de Guerra, marcada pela guitarra solando, pela agitação e pelo refrão com onomatopeia (“Ê ô! Ê ô!”).
Djalma Oliveira e Margareth Menezes - Faraó (1987)
Composta por Luciano Gomes, Faraó (Divindade do Egito) é um hino do Carnaval da Bahia. Em 1987, a canção foi gravada pela Banda Mel e pelo Olodum.
Aliás, antes da gravação, quando o grupo afro tocava a música pelas ruas de Salvador, não havia quem não cantasse. Mas foi a gravação unindo Djalma Oliveira e Margareth Menezes, no mesmo ano, que Faraó alcançou sua potência máxima.
Daniela Mercury - O Canto da Cidade (1992)
Com seu álbum homônimo de 1991, Daniela Mercury já brilhava calcada no samba-reggae com canções como Swing da Cor e Menino do Pelô, ambas gravadas com o bloco afro Olodum. Ela já tinha mostrado que era uma potência quando se apresentou para mais de 20 mil pessoas no vão livre do Masp, em São Paulo, ameaçando a estrutura ao redor – a cantora foi orientada a interromper o show.
Mas foi com O Canto da Cidade, faixa-título de seu segundo álbum, que Daniela se consolidou como um dos maiores nomes do axé music, dando grande visibilidade ao Carnaval baiano e ganhando projeção internacional.
Gera Samba - Pau Que Nasce Torto / Melô do Tchan (1995)
Inicialmente conhecido como Gera Samba, o É o Tchan! marcou a segunda metade dos anos 1990 com suas letras dúbias, danças picantes, Beto Jamaica, Compadre Washington exclamando “ordinária”, além de um trio de dança entrosado — Jacaré, Carla Perez (posteriormente substituída por Sheila Mello) e Débora Brasil (substituída por Scheila Carvalho).
O grupo surgiu com a proposta de mesclar a batida do samba de roda com coreografias, o que não era uma novidade no axé — já havia diferentes formas de dançar no Carnaval de Salvador desde décadas anteriores —, mas foi com É o Tchan! que as performances se popularizaram.
Junto com o Melô do Tchan, outro sucesso que surgiu na mesma época foi Na Boquinha da Garrafa, da Companhia do Pagode, que foi bastante divulgada pelo então Gera Samba.
Com uma carreira longeva e vistosa, É o Tchan pavimentou caminho para outros grupos que aproveitaram a fórmula sacana e/ou coreografada: Braga Boys (Uma Bomba), Tchakabum – do hit Onda Onda (Olha Onda) e responsável por revelar Gracyanne Barbosa – , Raça Pura (O Pinto), Gang do Samba (Raimunda), entre outros.
Banda Eva - Eva (1997)
Oriunda de um bloco de Carnaval, a Banda Eva se consolidou na década de 1990 com suas canções festivas. De lá para cá, o posto de vocalista já foi ocupado por nomes como Emanuelle Araújo, Saulo Fernandes e, atualmente, está sob o comando de Felipe Pezzoni. Mas a era com Ivete Sangalo (1993-99) foi especial.
Entre os sucessos animados dessa fase estão Arerê, Carro Velho, Alô Paixão e Pra Abalar. Depois que saiu do grupo, Ivete se consagrou como rainha do axé, emendando sucessos ano após ano — Festa, Pererê, Sorte Grande, Canibal, Abalou, a romântica Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim e muitos outros.
Uma das músicas mais simbólicas de ambas as carreiras é justamente uma versão de uma faixa da Rádio Táxi, banda de rock brasileira dos anos 1980 — que, por sua vez, adaptou a canção do italiano Umberto Tozzi. Eva é, até hoje, um hino obrigatório nos blocos de Carnaval pelo Brasil, especialmente pelo seu tom épico e catártico.
As Meninas - Xibom Bombom (1999)
“Analisando essa cadeia hereditária/ Quero me livrar dessa situação precária”. Ou então: "Mas eu só quero educar meus filhos/ tornar um cidadão com muita dignidade". “Onde o rico cada vez fica mais rico/ E o pobre cada vez fica mais pobre”.
Enfim, o axé com consciência de classe. A música era onipresente nas rádios e programas de TV na virada de 1999 para 2000 e, por mais que o tempo tenha passado, o hit ainda continua ecoando.
Psirico - Lepo Lepo (2014)
Híbrido de pagode baiano e arrocha, a chiclete Lepo Lepo é outro marco para o axé music, em um momento que o sertanejo e o funk estavam cada vez mais se aproximando do Carnaval de Salvador.
Por outro lado, a música também pode ser uma sucessora espiritual de Xibom Bombom. Em entrevista para a Caras Brasil, o vocalista Márcio Victor afirmou que Lepo Lepo é “uma forma de gritar não ao capitalismo e sim ao amor”.
“Duro pé rapado, com salário atrasado (...) Já fui despejado, o banco levou o meu carro (...) Eu não tenho carro, não tenho teto/ E se ficar comigo é porque gosta do meu lepo lepo”, diz a letra.
BaianaSystem - Lucro (Descomprimindo) (2016)
Pagode baiano, reggae, rock, samba-reggae, afoxé, dub, cumbia, frevo e muito mais: o som do BaianaSystem não se resume. A banda já foi rotulada como “novo axé”, mas sempre vetou essa alcunha, apesar de reconhecer que suas raízes estão atreladas ao movimento.
Aliás, o trio elétrico da banda, o chamado Navio Pirata, arrasta multidões pulando pelas ruas de Salvador no Carnaval.
Lucro (Descomprimindo) é o cartão de visita do Baiana, com sua letra abordando a especulação imobiliária — mais um sucessor de As Meninas.
Leo Santana - Zona de Perigo (2023)
Leo Santana já havia feito história no axé como vocalista da Parangolé, com o mega hit Rebolation, em 2009. Desde então, ele lança todo ano uma música que se torna sucesso no Carnaval baiano.
O cantor alcançou um novo feito há dois anos, com Zona de Perigo — um pagode baiano com pitada de arrocha, bachata, melodia de R&B e um saxofone que gruda na cabeça. Esse sucesso é um marco por refletir o contexto contemporâneo: a canção e coreografia viralizaram no TikTok e a faixa chegou ao topo das plataformas digitais.
Faixa bônus
Há muitas canções não listadas que também contribuíram para a história do axé music: Prefixo de Verão, da Banda Mel; Liberar Geral, do Terra Samba; Vem Neném, do Harmonia do Samba; O Bicho, de Ricardo Chaves; Beija-Flor, do Timbalada; Ara Ketu Bom Demais, do Ara Ketu; A Roda, de Sarajane; entre outras. Ou, quem sabe, estas faixas também façam parte da história do leitor.