Nei Lisboa está sentado em uma cafeteria de Porto Alegre. Augusto Licks tomando um café, em casa, no Rio de Janeiro. Os dois velhos amigos, durante a entrevista, por vídeo, se enxergam e, na hora, já se transportam para suas próprias histórias: afinal, foi tomando um cafezinho juntos que, em 1980, encontraram o título para uma composição de ambos que queriam escrever para o festival Musipuc — responsável por lançar importantes figuras da música gaúcha. O nome escolhido foi Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina — cada um dos dois artistas falou metade do título, no ato, completando-se, mas quem citou qual parte eles já não lembram.
O nome, marcante e criativo, de tão icônico, acabou sendo utilizado para batizar o primeiro álbum de Nei, lançado em 1983, com várias canções compostas em parceria com Licks — ou seja, está completando 40 anos neste 2023. Para celebrar a data, a dupla decidiu se reunir em um show especial, em Porto Alegre, para tocar os sucessos deste disco histórico e, também, composições nunca gravadas, que serão uma surpresa para os fãs. Não é preciso dizer muito mais do que isto para empolgar os porto-alegrenses.
As apresentações ocorrem no domingo (15), no Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Avenida Independência, 75), em Porto Alegre, às 18h e às 21h, com ingressos esgotados na primeira e poucos restantes para a segunda.
— Eu fico muito feliz. Lembro da primeira vez que a gente tocou no teatro, que a gente ia atrás da cortina para espiar, para saber se tinha gente para nos ver. Então, sabendo que vai ter um público, é sempre muito gratificante. E, obviamente, vai ser muito emotivo, e vou tentar todos os meus pilotos automáticos — brinca Licks, guitarrista que viaja para Porto Alegre para subir ao palco ao lado de Nei.
A dupla ainda contará com Paulinho Supekóvia no baixo, Giovanni Berti na percussão e Luiz Mauro Filho nos teclados. Também volta para este reencontro a produtora Dedé Ribeiro, responsável pelo disco de 1983.
— Certamente, vai ser emocionante, algo que vai extrapolar o palco. Encontro e reencontro de muita gente que vai estar revisitando, lembrando. Quem sabe, algumas lágrimas. Estamos também complementando o repertório do disco no palco, porque 11 músicas não dão um show inteiro. Está tudo sendo resgatado na memória do Augusto. Tem coisas que ele trouxe que digo "eu não fiz isso aqui, não é possível" (risos) — destaca Nei.
Aldeia
Os dois músicos recordam que o álbum tem um viés mais coletivo e que foi um grande feito para a época, pois foi um disco gravado em São Paulo, em estúdio de Fernando Ribeiro, que abriu as portas do local e de sua casa para o grupo de cinco artistas que deixaram Porto Alegre em um ônibus de viagem, levando os seus instrumentos a tiracolo — e um menor de idade, que precisou de autorização do Juizado de Menores para embarcar. Foram três semanas no Sudeste até a conclusão de Pra Viajar no Cosmos..., que virou esta referência — com um Nei Lisboa meio na penumbra, cabeludo e fumando um cigarro na capa. Histórico.
— Tem aquele velho clichê de que o primeiro álbum é o álbum de uma vida inteira. Não sei como o Nei encara isso, mas ali foi depositado energias, anseios e ideias que vinham sendo construídos desde lá do início que a gente começou a tocar. Então, ali desembocou — aponta Licks, na época com 27 anos.
Nei, que tinha 24 anos quando gravou a obra, explica que o disco veio em um momento de efervescência e de mudança de ventos no Brasil, cantando as reinvindicações de adolescentes e jovens, refletindo um momento, um contexto nacional, mas, também, com os pés na aldeia:
— Nós estávamos saindo de uma ditadura no começo dos anos 1980, com uma busca pela liberdade, de respirar depois de 20 anos de sufoco da ditadura. Queríamos ter liberdade de pensamento, de corpo, de sexualidade, de comportamento, todas estas questões aflorando. O disco trespassa isso, com esse pé no Bom Fim, com as coisas da gente, mas com uma representação dos anseios de uma geração.
Dentro desta proposta, Nei e Licks ainda ajudaram na construção de uma música mais urbana, fugindo do tradicionalismo que imperava dentro do solo gaúcho — temas como drogas e uma "prenda minha, muy loca", da canção Rabo de Foguete, ajudaram nesta ousadia musical para a década. Desta forma, os parceiros acreditam que quem viveu a sua juventude há 40 anos gravou estas canções e toda a sua aura desafiadora no coração e, agora, vai reviver isto ao vivo no domingo.
Pra Viajar No Cosmos Não Precisa Gasolina - 40 Anos
- Neste domingo (15), às 18h e às 21h, no Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Avenida Independência, 75), em Porto Alegre.
- Ingressos, apenas para o show das 21h, por R$ 200 (inteiro).
- Ponto de venda: na plataforma Sympla.