Quando se pensa na Vila Jardim, certamente não é o Tomorrowland que vem à cabeça. Mas há um nome em comum entre o bairro de Porto Alegre e um dos maiores festivais de música eletrônica do mundo: Carolina Alcântara. Mulher e negra, é a gaúcha conhecida como DJ Carola que fará a ponte Brasil-Bélgica para tocar na edição de 2022 do evento. Com ela, leva para a cabine hits celebrados por artistas internacionais, representatividade e a história de quem enfrentou as barreiras da desigualdade no país.
O Tomorrowland vai ocorrer pela primeira vez em três finais de semana diferentes: de 15 a 17 de julho, de 22 a 24 de julho e de 29 a 31 de julho, em Boom, na Bélgica. Mas apesar de já ser considerada uma das grandes revelações da música eletrônica brasileira, Carola sequer esperava ser chamada para tocar neste ano. Ainda que ela tenha conseguido despertar a atenção de grandes nomes do estilo musical lá fora, tinha traçado a meta de subir ao palco do evento somente entre 2023 e 2026.
— Foi uma surpresa incrível, estou realizada. Quando comecei lá atrás, não tinha profissionais fisicamente parecidas comigo, então é difícil, a gente não se enxerga nesses espaços. Vai ser um momento incrível também para as pessoas do mercado eletrônico, principalmente do Brasil, serem abertas à diversidade. Acho que a gente fica muito limitado aos mesmos rostos, aos mesmos corpos, e acabamos perdendo profissionais incríveis no Brasil por não sabermos olhar para o lado — avalia ela, em entrevista a GZH.
Por trás do reconhecimento, está a criança que sempre teve certa "inclinação artística". Recebia apoio da mãe, era fã de Cássia Eller, ouvia os mais diversos estilos musicais e chegou a ter uma banda de pagode quando tinha 12 anos. Foi o primo de Carola quem a apresentou ao mundo das raves e do psytrance em 2007 — e lá descobriu um ambiente acolhedor, início da história que mais tarde a projetaria.
— Eu nunca me senti discriminada dentro desse meio. As pessoas não se importavam se você era preto, branco, pobre. Sempre consegui fazer diferentes amigos, e esse lance acabou fazendo com que eu escrevesse minha história ali — diz Carola.
Barreiras
Quando decidiu que iria se dedicar à música eletrônica, veio o primeiro baque: o dinheiro. Sem condições financeiras, a artista buscou cursos de discotecagem e produção musical gratuitos na internet, leu blogs para entender como os equipamentos funcionavam e deu a cara a tapa para conseguir aprender, na prática, como se tornar uma boa produtora e DJ. Também contou com o apoio de outros profissionais, principalmente o produtor Kohen, a quem credita boa parte de seu sucesso como DJ, trazendo a sonoridade de vertentes da house music.
No entanto, nem mesmo o apoio de amigos e família a blindou de outra dificuldade que estaria por vir. Se enquanto da parte do público o ambiente da música eletrônica era acolhedor, nos bastidores era mais hostil. Segundo a gaúcha, sem citar nomes, era no backstage que surgia o constante questionamento sobre o fato de ser mulher e negra:
— Moro em São Paulo desde janeiro do ano passado, mas vivi no Rio Grande do Sul a vida inteira e minha história começou a ganhar notoriedade no Estado só a partir de 2018, sendo que eu era DJ desde 2012. Sempre existiu uma barreira e é, sim, um universo cercado por questões machistas. Mas acho que existem várias profissionais dando o seu melhor e prontas para mudar a mentalidade dessas pessoas — declara a DJ.
Ainda assim, lá fora conseguiu grandes feitos para artistas brasileiros do ramo. FKGO, colaboração com Kohen, chamou a atenção de David Guetta, que tocou a canção em seu radioshow e acabou catapultando a gaúcha para conquistar o mundo. Em 2021, Carola tornou-se a primeira artista mulher a lançar música pelo selo de Martin Garrix, STMPD RCRDS, com What They Want, música feita em colaboração com Gabzy. Um ano depois, chega ao Tomorrowland para riscar um item da sua lista de sonhos.
Entre as metas traçadas e aquelas já cumpridas, Carola agora tem outros planos pela frente. Além da expectativa de ser chamada para tocar no palco eletrônico do Rock in Rio neste ano, ainda pretende rodar os maiores festivais do mundo, como Coachella e Lollapalooza.