No início, era a música. Foi ela o motivo para que a cantora paulistana Mônica Salmaso dedicasse 15 anos à pesquisa sobre o universo da música caipira. Tempo e dedicação motivados também pela surpresa de uma revelação feita por um amigo. Um dia, Paulo Freire, violeiro, escritor e profundo conhecedor da cultura sertaneja, foi até a casa de Mônica com uma mala lotada de discos de vinil, CDs e fitas K-7 sobre música caipira.
A cantora ficou emocionada e, anos depois, chegaria ao álbum Caipira, seu mais recente trabalho e o 11º da carreira. Algumas das 14 faixas do CD vieram do repertório do show Casa de Caboclo, projeto temático realizado pelo Sesc em 2003 e que deu o espaço necessário para que ela iniciasse o desenho desse panorama do universo rural. Ao lado dela estão os músicos Neymar Dias (virtuose da viola caipira, que também toca contrabaixo), Proveta (clarinete e sax tenor), Toninho Ferragutti (acordeon). Teco Cardoso (flautas), André Mehmari (piano) e Robertinho Silva (percussão).
O álbum conta com criações de compositores de diferentes gerações e chama atenção a opção por nomes consagrados da MPB, como Cartola, que compôs Feriado na Roça – que, de tão caipira, chega a surpreender até quem já sabia dos recursos criativos do autor –, Gilberto Gil (em Bom Dia, rara parceria com Nana Caymmi composta há 50 anos) e Roque Ferreira (na lindíssima Baile Perfumado).
No final, ainda é apenas música. Mas, ao ouvir Caipira, parece que os dias que vivemos hoje – de discursos normativos, intolerância e maniqueísmos – chegaram ao fim, naturalmente perdendo espaço para canções executadas em um estado maduro, por uma cantora que empresta sua técnica vocal irretocável a um repertório de matriz delicada.
Pode ser exatamente o que precisamos agora. E o que nos basta.
ENTREVISTA
Em Caipira, há músicas que, inicialmente, não faziam parte do universo desse novo trabalho. Como chegaram até você?
Algumas foram chegando apresentadas por amigos, outras por meio de pesquisas. A música composta pelo Cartola (Feriado na Roça) me foi apresentada pela (cantora) Teresa Cristina. Já a música Bom Dia, sou completamente apaixonada por ela.
Um trabalho como Caipira pode ser considerado um ato de resistência, até mesmo de protesto?
Esse trabalho não representa um ato de maior resistência do que os meus discos anteriores. Sempre fui coerente com o que acredito e segui minha carreira sempre assim. Como país, estamos todos muito machucados. Nossa autoestima, nossas ideias. Acho que um dos melhores remédios para curarmos isso é nos apropriarmos da nossa cultura. A cultura tem as características do melhor do brasileiro. Não a corrupção, o jeitinho. Acho que precisamos disso.
Como você vê o mercado atual da música para uma cantora de MPB?
Tenho o privilégio de poder viver de música. Não tenho outra atividade a não ser essa. A indústria do disco está em crise, não sabemos mais o que vai acontecer. E eu gosto do disco físico, do encarte com as letras, essas coisas. Tenho 20 anos de carreira e um público formado. Tenho condições de continuar trabalhando. Mas eu não acho que a música vá parar, deixar de evoluir.
Em 2014 você disse que a música popular brasileira estava pobre e nivelada por baixo. Ainda pensa assim?
Quando disse aquilo, me referia ao mainstream. Estava falando em escala industrial. Claro que temos músicas de qualidade, música autoral. Sei que há muita coisa acontecendo. Aqui em São Paulo, onde moro, vejo lugares menores surgindo. A produção não acaba. Temos muita informação, mas você precisa criar critérios para buscar essa informação. É como o Janela da Alma (documentário dirigido por Walter Carvalho e João Jardim): “Agora eu tenho acesso a todos os jornais. Mas quem lê tantos jornais?”.
Você é uma artista que também comanda a parte empresarial da sua carreira. Como divide as duas áreas?
Sempre achei que, se você domina todas as partes do processo, você se apropria disso e trabalha melhor. Eu gosto de dominar todas as etapas. Meu ofício não é apenas chegar lá e cantar. Como viabilizamos a turnê via Lei Rouanet, participo de todas as etapas. Escrevo o projeto, inscrevo para avaliação, faço a prestação de contas... Tudo. Gosto dessa parte de negócios e acho importante saber como fazer.