Quando havia partido de Porto Alegre e vivia no Recife, Sandra Possani conheceu o escritor pernambucano Wilson Freire. Ele finalizava um romance inspirado na vida de prostitutas a quem entrevistara na zona portuária da cidade, cada uma com uma história de vida mais marcante que a outra. Chamou o livro de A Mulher que Queria Ser Micheliny Verunschk (Edith, 2011), nome que pegou emprestado da escritora Micheliny Verunschk antes de ser vencedora do Jabuti e do Oceanos, mas já como promessa literária no Pernambuco.
Diante da personalidade esperta e agitada de Sandra, Freire lhe dedicou o livro e a intimou a interpretar a personagem principal, uma mulher da vida que sonha em ser escritora de sucesso. De volta a Porto Alegre em 2020, ela decidiu atender ao pedido. Vai encenar, pela Cia. Stravaganza, seu primeiro monólogo, em montagem homônima, dirigida por Adriane Mottola, cofundadora do grupo teatral. A estreia é nesta quarta-feira (6), às 20h, no Estúdio Stravaganza (Rua Dr. Olinto de Oliveira, 68), em Porto Alegre, com entrada gratuita mediante retirada de senha. A temporada é de quartas a sábados, sempre às 20h, até dia 16. Cada sessão tem capacidade para 35 pessoas.
Com vasta trajetória no cinema e no teatro, Sandra participou de espetáculos importantes no Rio Grande do Sul, como Dança da Conquista, do Ói Nóis Aqui Traveiz, grupo que integrou por cerca de 10 anos, e clássicos da dramaturgia nacional, como O Beijo no Asfalto, O Pagador de Promessas, O Auto da Compadecida e Doutor QS (colagem de textos de Qorpo-Santo), esses pelo Depósito de Teatro, onde atuou por 15 anos. Com A Megera Domada, pela Cia. Rústica, venceu o Prêmio Açorianos de Melhor Atriz, em 2008. No cinema, atuou em produções como Saneamento Básico, o Filme (2007), de Jorge Furtado, e O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.
Ao ler o texto de Freire, comoveu-se com a história de uma mulher sofrida que ousou sair do convencional para conseguir sobreviver e, mesmo assim, não deixou de ter esperança. Sandra também precisou ter coragem para chegar aonde chegou. Era uma menina quando saiu de Catuípe, município de 8 mil habitantes nas Missões, para viver em Ijuí. Tinha 20 anos e estava grávida do primeiro filho quando fez a primeira oficina de teatro, oportunidade que lhe foi apresentada por Fernando Kike Barbosa, integrante da Cia. Stravaganza que é um dos dramaturgistas de A Mulher que Queria Ser...
— Quando li o romance, me emocionei muito. A história de Freire fala dessa busca do feminino pelo pertencimento, pelo querer ser. De alguma maneira, a história dessa personagem me atravessa também. Nunca quis escrever, mas saí do interior sem nenhuma formação nem nada. Naquela oficina de teatro, em Ijuí, o Fernando me disse: "Te imagina caminhando em uma corda bamba". Eu fechei os olhos e imaginei. Decidi que nunca mais iria parar de fazer aquilo. Quando minha filha tinha sete meses, me mudei para Porto Alegre com ela no colo.
Somente agora, aos 56 anos, depois de ter feito o trajeto Catuípe-Ijuí-Porto Alegre-Recife, Sandra sente-se preparada para algo que ainda não havia feito em cima do palco: ficar inteiramente sozinha diante da plateia, com os olhares totalmente voltados para si. É a bagagem de vida, diz ela, o que sustenta um monólogo de texto profundo.
— Sempre achei que o barato de estar em cena é dividir com o outro, amparar e ser amparada pelo outro. Hoje, eu já não tenho mais dúvida das minhas escolhas e do que quero falar. Estou preparada para falar de um ser humano que tem muita força, porque de alguma maneira eu já tive uma experiência gigantesca. Fui uma mulher, menina, que pegou sua mochilinha e foi embora em direção aos seus sonhos. E essa personagem, de alguma maneira, também faz isso.
Uma das encenadoras mais destacadas em atuação no Estado, Adriane Mottola celebra o fato de a Cia. Stravaganza ter uma sede própria, conquista alcançada há 25 anos, o que permite mexer na estrutura do palco e da plateia para alcançar atmosferas alternativas. Para A Mulher que Queria Ser..., o palco ficará no formato de um triângulo, o que permite a aproximação do público.
— No palco italiano, com palco e plateia separados, a configuração já está dada. Já em um espaço alternativo, como o nosso, podemos descobrir novas configurações. O público estará muito perto da Sandra. Ela, inclusive, chega a trazer alguém do público para a cena. A Sandra é muito boa no trato com as pessoas. O público está todo o tempo em contato olho a olho com a atriz — diz a diretora.
Além de estrear com 12 sessões gratuitas, o monólogo foi encenado de forma particular para instituições que atendem mulheres em situação de vulnerabilidade. A segunda temporada está prevista para março de 2024. Wilson Freire pretende vir a Porto Alegre para assistir a Sandra dando vida à sua história.
— Conheci mulheres que moravam no porto de Recife antes de ele ser revitalizado. As mulheres que viviam lá, pobres, falavam da vida delas com os marinheiros que chegavam e partiam. Quero transformar essa história em cinema, buscando uma parceria entre Porto Alegre e Recife — avisa o autor.
"A Mulher que Queria Ser Micheliny Verunschk", da Cia. Stravaganza
- Estreia nesta quarta-feira (6), às 20h. Sessões de quartas a sábados, sempre às 20h, até dia 16.
- Estúdio Stravaganza (Rua Dr. Olinto de Oliveira, 68, bairro Santana), em Porto Alegre.
- Entrada gratuita, mediante retirada de senha uma hora antes de cada sessão.
- Lotação: 35 pessoas por sessão.