Dois atores de peso farão o público rir e se emocionar em duas apresentações no Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre, neste sábado (3), às 17h30min e às 20h30min. Após o sucesso da peça Ponto a Ponto – 4000 Milhas no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belo Horizonte, Luiz Fernando Guimarães e Bruno Gissoni desembarcam na Capital com a comédia. A trama foca no distanciamento entre as pessoas, provocando uma reflexão sobre família por meio do relacionamento entre avó e neto.
A montagem apresenta Luiz Fernando Guimarães com seu humor de sempre, mas de modo inusitado: ele interpreta Vera, uma idosa que vive sozinha na cidade e que recebe a visita inesperada do neto Léo (Bruno Gissoni). O jovem, que gosta de se aventurar de bicicleta pelas montanhas, chega ao apartamento da avó após vivenciar uma situação traumática. O diálogo entre avó e neto faz emergir diferentes temas e pontos de vista que transformam a relação, permitindo ao público perceber o que aproxima e o que distancia os dois — e levantando debates que podem ser transpostos para além da peça.
Relações familiares, política, idade, morte, distanciamento e solidão são temas presentes na relação mais próxima que os dois passam a desenvolver. O jovem está lidando com o luto, e estar próximo à avó ajuda a suportar esse momento difícil. Vera, por sua vez, se incomoda com as consequências da idade à sua vida solitária. A chegada inesperada do neto a faz perceber que gosta de estar ao lado dele, apesar de ter o cotidiano revirado por sua presença. A relação de Léo e Vera, no decorrer da peça, segue diferentes direções, não lineares.
— O que distancia eles é tudo. A postura dele e a postura dela, o fato de ele não saber exatamente nada da vida ainda. Ele é um caminhante, um andante por aí, e ela é uma mulher muito estruturada, viúva de cinco maridos, com uma vivência — afirma Guimarães.
O texto já foi montado em diversos países e chega ao Brasil adaptado e dirigido por Gustavo Barchilon, diretor de palco do musical Magic Mike em Londres e diretor e produtor do premiado musical Barnum – O Rei do Show. Escrita por Amy Herzog, 4000 Miles (nome original) teve sua primeira montagem nos Estados Unidos, na Broadway, em 2011. Em 2013, foi finalista do Prêmio Pulitzer. No ano anterior, foi vencedora do Obie Award.
No espetáculo, entra em cena ainda a atriz Renata Ricci, interpretando dois papéis: Rebeca e Amanda. Com a ajuda delas, avó e neto se reconhecem em vários aspectos da vida, mesmo tendo pontos de vista divergentes. Assim, mais do que mostrar como um assunto é visto por duas pessoas de modo oposto, Ponto a Ponto – 4000 Milhas é sobre relacionamentos.
— A peça aborda muitos temas, entre eles esse distanciamento entre pessoas. O título, Ponto a Ponto, faz essa referência — explica Gissoni.
— E as 4 mil milhas são de distância. Esse tempo todo de pandemia fez com que as pessoas perdessem a comunicação, e o fato de a gente fazer teatro aproxima as pessoas, que estavam ávidas para ficar juntas, se tocar, ver uma peça, o evento que for, para sair – complementa Guimarães.
Porém, ao chegar na casa de Vera, Léo encontra o conforto e o carinho de um familiar enquanto passa pelo processo de luto. Ele redescobre, assim, os laços com a própria avó, que lhe dá lições, lhe fala sobre a vida e abre seu coração. Ele, em troca, puxa Vera para a realidade. Deste modo, os dois vão se ajudando mutuamente — e as 4 mil milhas de distância vão diminuindo.
— Vendo a reação do público, é muito mais uma peça de aproximação de quem a gente ama, é uma peça que fala sobre diálogo. A gente percebe isso também quando a gente perde os nossos avós. Quantas perguntas eu não queria ter feito para as minhas... As pessoas saem muito emocionadas e muito felizes, porque também é uma peça muito divertida. Então, eu acho que bate em um lugar muito sensível no coração de cada um — destaca o intérprete de Léo.
Identificação
Um detalhe interessante é que o espetáculo é feito na diagonal, de perfil, com os atores se olhando o tempo todo — o que difere das outras peças interpretadas por Luiz Fernando Guimarães.
Com mais de 40 anos de carreira, o ator, aos 72 anos, traz ainda outro aspecto à peça ao interpretar Vera, uma senhora experiente que se aproxima do fim de sua jornada, em toda a sua essência, com suas dores, vivências e relações. Ele se inspirou em uma senhora que mora em São Gonçalo (RJ), à qual chama de Tia Lete, e em suas avós. Guimarães também traz o humor, sua marca registrada, para a personagem.
— Eu já fiz várias mulheres. Mas eu nunca fiz uma idosa. E eu tenho todo o cuidado, físico, porque eu sou muito bruto. Eu tenho um 1m88cm. A minha voz é grossa. Eu não adaptei minha voz, em alguns momentos eu amanso ela, mas a mulher, quando vai envelhecendo, vai pegando características masculinas, como o homem vai captando características femininas, isso é próprio da humanidade. Eu me sinto tão à vontade com ela — afirma.
Para Gissoni, um dos fatores que o fez querer integrar o elenco do espetáculo foi poder voltar ao teatro com o fim da pior fase da pandemia. O outro foi o próprio Luiz Fernando Guimarães.
— Trabalhar com ele é uma oportunidade que nunca imaginei na minha vida. É realmente a realização de um sonho, e um lugar onde eu aprendo diariamente. E o texto é um texto premiado, que faz também eu me reencontrar com as minhas avós dentro dos próprios diálogos do Léo — afirma o ator.
Por ser muito conhecido como um ator de comédia e por estar vestido de mulher e assumindo um papel de senhora, Guimarães conta que, no início, a peça causava estranheza a respeito do rumo. Porém, o público embarca na história. E, ao final, devido ao distanciamento ser algo presente em quase todas as famílias, algumas pessoas chegam até mesmo a procurar familiares com quem não falam há algum tempo e os levam para assistir à peça.
— Primeiro vinha a avó, e aí ela se sentia tão representada no palco que trazia o resto da família para falar: "Olha, é isso que eu sinto", e isso é muito bonito, porque você usar o teatro como uma ferramenta de comunicação e de expressão também é muito importante — frisa Gissoni.
Conscientização
O distanciamento, principalmente das eras, como entre avós e netos, ficou mais evidente com a pandemia, avalia Gissoni. A crise sanitária jogou ainda um holofote no problema da solidão dos mais velhos e da inclusão na era digital — elementos mostrados no texto há vários anos.
Para Guimarães, vivemos um novo momento agora:
— A pandemia nos deu uma consciência muito maior de valorização da vida, de ter a nossa família e nossos amigos em volta. Acho que esses três anos de reflexão amadureceram a todos.
Reencontro com o público gaúcho
Com dois encontros marcados para este sábado, a primeira experiência do tipo na montagem da peça, o elenco está animado por vir a Porto Alegre e espera conseguir transmitir a mensagem do espetáculo, promovendo uma reflexão sobre os tempos atuais e as pessoas com as quais compartilhamos momentos.
— Eu acho que o público gaúcho é um público muito inteligente, ele vai captar essas entrelinhas da peça, pela quantidade de cultura que ele tem, conhecimento de arte, de ir ao teatro, de concerto, de música, balé. É uma terra de gente muito ligada à cultura. A gente não tem muita expectativa, porque a expectativa frustra. A gente fica ansioso para chegar logo aí — finaliza Guimarães.
Ponto a Ponto – 4000 Milhas
- Neste sábado (3), às 17h30min e às 20h30min.
- Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 70, à venda em uhuu.com.
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante e um acompanhante.