O Porto Verão Alegre sempre nadou contra a corrente. Começou, há cerca de duas décadas, ocupando os palcos da Capital em uma estação geralmente ociosa para a produção cultural. O experimento acabou virando tradição. Agora plenamente estabelecido no calendário da cidade, o festival realiza desta quarta-feira até 16 de fevereiro aquela que seus organizadores consideram sua maior edição em número de atrações. Em um contexto de enxugamento nos festivais de artes cênicas, o Porto Verão Alegre novamente navega na via contrária, com 146 espetáculos, somando em torno de 400 eventos em 19 espaços culturais da Capital (leia mais aqui), além de levar atrações para outras cidades gaúchas.
Para entender como esse evento privado, financiado por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), chegou a esses números, é preciso entender seu diferencial: não se trata de um festival com um número reduzido de grandes atrações nacionais e internacionais selecionadas por uma curadoria, mas um extenso catálogo do que tem sido produzido no Rio Grande do Sul em matéria de teatro, dança, humor e mágica. Se alguns espetáculos figuram na grade desde a primeira edição, há novidades:
82 títulos deste ano jamais haviam participado do evento. Três destes realizam sua estreia: a comédia Alta Terapia, escrita e dirigida por Pedro Delgado; o espetáculo de humor Não me Faz te Pegar Nojo, em que André Damasceno conta a história do personagem Magro do Bonfa, e o musical Seres Imaginários – De Gardel a Fito Páez, com memórias do autor e diretor Néstor Monasterio.
– O Porto Verão sempre foi agregador – diz o ator Rogério Beretta, um dos organizadores do evento, ao lado do também ator Zé Victor Castiel. – No passado, até recebemos críticas por não ser seletivos. De fato, tinha gente que preparava um espetáculo em apenas dois meses. Mas o público foi sendo o curador do festival e não aceita trabalho malfeito. A qualidade tem subido muito nos últimos anos.
Crise
Realizado pela Mezanino Produções, o 21º Porto Verão Alegre chega com o slogan “Tudo em Movimento” para simbolizar a união da classe artística em tempos de crise. Um exemplo disso foi a criação, em 2019, da MOVE – Rede de Artistas de Teatro de Porto Alegre, voltada à divulgação e ao incentivo da produção local. Beretta reforça que o Porto Verão é promovido por artistas – ele e Zé Victor estrelam, com Oscar Simch, o sucesso Homens de Perto, que reaparece neste ano com o melhor (ou “o pior”, segundo eles) dos três espetáculos anteriores da franquia – e que isso acrescenta um elemento de sensibilidade na negociação com as produções dos espetáculos.
– Nessa atual crise de valores e na crise que a cultura está enfrentando, estamos colocando toda uma classe em movimento. São cerca de 2 mil pessoas envolvidas no festival, entre artistas, produtores, técnicos, bilheteiros etc. – diz Beretta.
O ator e organizador avalia que, apesar das dificuldades, a temporada de 2019 foi profícua na cena gaúcha, o que explica o grande número de novas atrações. O Porto Verão funciona, segundo ele, como um meio para escoar essa produção:
– Há um gargalo de espaços acessíveis financeiramente às produções locais. Não há teatros baratos o suficiente para dar vazão aos espetáculos. O Porto Verão oferece essa oportunidade.
A organização espera captar pelo menos metade dos R$ 2,5 milhões aprovados pela Lei de Incentivo, valor similar ao do ano passado. Beretta explica que o festival oferece cachê para uma parte dos artistas, enquanto outros participam em troca da receita da bilheteria (exceto uma taxa de 20% a 30%, que fica com a produção do Porto Verão). Em troca, os artistas recebem toda a estrutura para a realização de seus espetáculos, inclusive o aluguel dos teatros.
Em anos anteriores, o Porto Verão financiou a produção de um novo espetáculo para estrear em sua programação, mas, assim como em 2019, esta edição não contará com esse projeto.
– Estamos repensando o formato – explica Beretta. – Alguns dos espetáculos coproduzidos por nós ocorriam no Porto Verão, depois faziam uma ou duas temporadas e desapareciam, porque não temos um circuito na Capital para abrigar produções daquele porte. Gostamos de experimentar ideias.