Após equipes que coletam testes para a maior pesquisa do Brasil sobre a epidemia de coronavírus serem detidas pela polícia em cerca de 30 cidades do interior do país, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que coordena o estudo, divulgou neste domingo (17) uma nota na qual pede que autoridades permitam o trabalho da instituição. "Trata-se de cerca de 2 mil brasileiros e brasileiras que estão trabalhando para sustentar suas famílias, numa pesquisa que pode salvar milhares de vida", diz o texto.
A pesquisa da UFPel começou no Rio Grande do Sul, onde não teve maiores problemas, mas começou a enfrentar percalços após ser expandida para o resto do Brasil, financiada pelo Ministério da Saúde. Os entrevistadores, contratados pelo Ibope e coordenados pela UFPel, buscam medir a disseminação real da epidemia na população.
As equipes coletam da população uma amostra de sangue da ponta do dedo, em casa. Com o teste de uma parcela da população, é possível estimar quantos foram infectados no país inteiro, uma informação importante em meio a uma realidade na qual o Brasil é um país que testa pouco seus habitantes.
Em Santarém (PA), a polícia levou a equipe da pesquisa para a delegacia e apreendeu os testes para a covid-19. Houve detenções em São Mateus (ES), Imperatriz (MA), Picos (PI), Patos (PB), Natal (RN), Crateús e Serra Talhada (CE), Rio Verde (GO), Cachoeiro do Itapemirim (ES), Caçador (SC) e Barra do Garça (MT). Em Mossoró (RN), os entrevistadores relatam que foram agredidos na rua, acusados de violar a quarentena. Em Crateús (CE), as autoridades disseram que não poderiam garantir a segurança da equipe.
A UFPel afirma que as equipes "mereciam a proteção das forças de segurança e uma salva de aplausos por parte da população", mas que, em vez disso, "as forças de segurança em algumas cidades foram responsáveis por cenas lamentáveis e ações truculentas". A instituição diz que, por mais que a comunicação do Ministério da Saúde às cidades possa ter chegado tarde, "nada justifica o comportamento de 'xerifes' assumido por alguns gestores municipais, que impedem ou atrapalham a realização de uma pesquisa que pode ajudar a salvar milhares de vidas".
O texto destaca que "os pesquisadores estão de braços cruzados, esperando autorização dos gestores municipais, num processo burocrático que pode causar prejuízos aos cofres públicos" .
Confira a íntegra da nota da Universidade Federal de Pelotas
A administração da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) vem a público prestar necessários esclarecimentos sobre a pesquisa EPICOVID19-BR, o maior estudo populacional sobre o coronavírus no Brasil. O estudo é coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, que há cerca de 40 anos, realiza estudos epidemiológicos em Pelotas, no Rio Grande do Sul, no Brasil e no mundo. O EPICOVID19-BR é financiado e apoiado pelo Ministério da Saúde, tendo em vista essa experiência de mais de 40 anos da UFPel em pesquisas similares, além da experiência exitosa do EPICOVID19-RS, que já concluiu três fases, incluindo a testagem de anticorpos para coronavírus em 13.189 pessoas, de nove cidades gaúchas.
O projeto EPICOVID-BR foi submetido à apreciação ética da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tendo sido aprovado no dia 28 de abril de 2020, sob o número CAEE 30721520.7.1001.5313. Para a coleta de dados, foi contratado, após processo seletivo, o IBOPE, empresa com larga experiência em estudos populacionais. Todos os requisitos éticos e de segurança estão sendo seguidos, incluindo o uso de equipamentos de proteção individual, a inclusão apenas de entrevistadores com teste negativo para anticorpos do coronavírus e instruções para o descarte dos materiais, conforme pactuado com o Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde responsabilizou-se por contatar os 133 municípios participantes da pesquisa, o que ocorreu por meio de ofício durante essa semana. Além disso, o estudo está divulgado na capa da página oficial do Ministério da Saúde (www.saude.gov.br). Infelizmente, desde o início do trabalho de campo no dia 14 de maio (quinta-feira), as equipes da pesquisa vêm passando por diversas situações constrangedores, amplamente noticiadas na mídia. Em quase 40 cidades, os pesquisadores estão de braços cruzados, esperando autorização dos gestores municipais, num processo burocrático que pode causar prejuízo aos cofres públicos, visto que a pesquisa é integralmente financiada com recursos públicos.
Nas situações mais graves, os entrevistadores do IBOPE foram detidos, com uso de força policial, tendo sido tratados como criminosos. Trata-se de cerca de 2.000 brasileiros e brasileiras, que estão trabalhando para sustentar suas famílias, numa pesquisa que pode salvar milhares de vidas, e que mereciam proteção das forças de segurança e uma salva de aplausos por parte de toda a população. Ao contrário, as forças de segurança, que deveriam proteger os entrevistadores, foram responsáveis por cenas lamentáveis e ações truculentas, algumas delas felizmente registradas.
Por mais que a comunicação formal do Ministério da Saúde aos municípios possa ter chegado muito perto do início da coleta de dados, nada justifica o comportamento de “xerifes” assumido por alguns gestores municipais, que impedem ou atrapalham a realização de uma pesquisa que, com o perdão da repetição, pode ajudar a salvar a vida de milhares de brasileiros.
Em meio a uma pandemia sem precedentes, o Brasil mereceria que todos os gestores municipais, das 133 cidades incluídas na pesquisa, tivessem o mesmo comportamento da Prefeitura de Manaus, a cidade mais afetada pela pandemia no país, e que mesmo assim, foi a primeira na qual a coleta de dados foi encerrada. Ao invés de citar os maus exemplos, fazemos um agradecimento especial à Prefeitura de Manaus, que soube compreender a relevância da pesquisa, e mesmo vivendo a maior crise de saúde da história do município, permitiu que nossos pesquisadores fizessem o seu trabalho, dando todo o suporte necessário.
Pedimos que essa nota seja amplamente divulgada, pela mídia, e por toda a população brasileira, especialmente nos municípios cujos gestores municipais não estão permitindo a realização da pesquisa. Apesar de tudo, nossas equipes estarão em campo até a terça-feira, dia 19 de maio de 2020, para garantir que o maior estudo populacional sobre coronavírus do Brasil continue ajudando a salvar a vida de milhares de brasileiros.
Pelotas, 17 de maio de 2020
Por que a pesquisa é importante?
O estudo parece uma pesquisa de opinião, eleitoral, mas, em vez de contar suas preferências para o entrevistador, a pessoa sorteada dá uma amostra de sangue da ponta do dedo, coletada em sua casa. Com o teste de uma parcela da população, é possível estimar quantos foram infectados no país inteiro.
Durante a pesquisa, as pessoas são entrevistadas e testadas em casa, por meio de sorteio aleatório. Se o resultado do teste der positivo, os profissionais entregam informativo com orientações e repassam o contato do participante para a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, que ficará responsável por informar as Secretarias de Saúde locais para acompanhamento e suporte dos casos. Enquanto aguardam pelo resultado, os entrevistados também responderão a um questionário sociodemográfico e indicarão se estão sentindo sintomas característicos da covid-19.
Os dados coletados servirão de base para estimar o percentual de brasileiros infectados, avaliar os sintomas mais comumente relatados, estimar recursos hospitalares necessários ao enfrentamento da pandemia e permitir o desenho de estratégias para abrandar as medidas de isolamento social.