Dias após suspender passagens e pacotes de viagens de uma linha promocional, a 123 Milhas protocolou um pedido de recuperação judicial na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A medida foi divulgada pela própria agência na terça-feira (29) e gerou novas dúvidas nos consumidores afetados pelo cancelamento e também nas pessoas que adquiriam outros serviços da empresa. Afinal, qual o impacto desse processo para os clientes?
A advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Carolina Vesentini esclarece que o pedido da 123 Milhas ainda não foi homologado pela Justiça e que o fato de ter protocolado ainda não desobriga a empresa de cumprir o que foi prometido aos clientes. Apesar disso, conforme a especialista, a agência está se valendo desse processo para não atender liminares que já foram emitidas.
— Já temos vários processos judiciais em andamento, mas a empresa está se valendo do pedido para não cumprir sua parte. Já recebemos reclamações de consumidores que não estão conseguindo nem utilizar os vouchers (que foram devolvidos acrescidos de correção monetária de 150% do CDI, acima da inflação e dos juros de mercado). Mas não há decisão ainda, então isso é errado — aponta.
Confira, abaixo, perguntas e respostas sobre a situação:
O que é recuperação judicial?
De acordo com Carolina, a recuperação judicial é um meio que as empresas utilizam para evitar a falência. O processo está previsto pela Lei de Falências, aprovada no final de 2020, e permite que as companhias suspendam e renegociem parte das dívidas acumuladas em um período de crise, evitando o encerramento de suas atividades, possíveis demissões ou atrasos em pagamentos. Para isso, elas apresentam à Justiça os motivos pelos quais precisam da medida, bem como um plano de recuperação.
Em nota, a 123 Milhas afirmou que “a medida tem como objetivo assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos com clientes, ex-colaboradores e fornecedores” e “permitirá concentrar em um só juízo todos os valores devidos”. Desta forma, a empresa considera que “chegará mais rápido a soluções com todos os credores para, progressivamente, reequilibrar sua situação financeira”.
— A empresa usou uma estratégia, de certa forma. E temos uma grande crítica a isso, porque ela fez suas promessas, não cumpriu, violou diversos artigos do Código de Defesa do Consumidor quando impôs o aceite do voucher, entrou com o pedido de recuperação e está se valendo do pedido para parar de ressarcir os clientes. É uma série de erros e quem sai no prejuízo é o consumidor, que é a parte mais vulnerável — comenta.
Os clientes ainda receberão seus valores se a recuperação for homologada?
Com a homologação da recuperação judicial, fica suspensa a maior parte dos débitos da empresa, ou seja, o pagamento aos credores é adiado ou suspenso por tempo determinado (no caso da 123 Milhas, o prazo é de 180 dias). A advogada afirma que a legislação também estabelece uma ordem para que a empresa pague suas dívidas, priorizando os créditos trabalhistas, os tributários e os pautados em garantia real.
— Infelizmente, os clientes são os últimos dessa lista. E só avança para o pagamento da próxima categoria se a anterior estiver totalmente satisfeita. Então, além de esperar para receber, os clientes podem receber menos do que gastaram. Com a recuperação, a situação para os consumidores fica muito ruim. É menos prejudicial do que a falência, mas também não é bom — afirma a advogada.
E se a empresa não tiver dinheiro para ressarcir o consumidor?
Caso a empresa não tenha o valor suficiente para o pagamento total dos consumidores, é feita uma divisão proporcional — é isso que faz com que os clientes possam receber valores inferiores. Além disso, Carolina destaca que o Código de Defesa do Consumidor prevê a facilitação da desconsideração da personalidade jurídica da empresa em prol dos consumidores:
— Isso significa que os consumidores podem pedir ao juiz que os donos ou sócios da empresa respondam com seus bens pessoais para pagá-los. As pessoas que já entraram com ação e tiverem liminar podem fazer esse pedido.
Quais as recomendações a partir de agora?
O pedido de recuperação judicial não impede que os consumidores judicializem ações contra a 123 Milhas. Rainer Grigolo, diretor-executivo do Procon RS, ressalta que os clientes podem continuar apresentando suas reclamações junto aos Procons municipais, buscando a Defensoria Pública para ajuizar ações e demandando judicialmente contra a empresa se assim entenderem por direito, a fim de obter a reparação por todo o prejuízo que estão tendo.
Carolina acrescenta que o Idec recomenda três ações simultâneas: tentar contato com a empresa via e-mail para que fique registrada a falta de retorno, caso ocorra; registrar reclamação no Procon e no site consumidor.gov.br; e acionar o judiciário, seja por meio de um advogado de sua confiança ou do Juizado Especial Cível (JEC), que permite ao cidadão entrar com uma ação desacompanhado de advogado e de forma gratuita. Esse serviço, informa, é destinado somente às causas inferiores a 20 salários-mínimos.
— Não sabemos o que vai acontecer. O pior cenário é a falência, mas pode ir para o lado bom. Então, recomendamos que entrem na Justiça. Se a empresa entrar em recuperação é como se o processo ficasse paralisado, porque o pagamento fica suspenso. Depois que acabar o prazo (de 180 dias), o processo volta a correr e as indenizações terão que ser pagas— diz a advogada.
E se a empresa falir?
Conforme o Idec, se a 123 Milhas decretar falência, o consumidor deverá tomar as providências devidas conforme a sua situação. Em geral, caso a empresa esteja “devendo” algo para o cliente, como a prestação de um serviço já pago, é necessário entrar com uma ação judicial para tentar recuperar o prejuízo.
O Procon RS já tomou alguma medida?
O Procon RS notificou a 123 Milhas em 21 de agosto, em busca de esclarecimentos. A empresa possui um prazo de 10 dias para responder, o que ainda não foi feito. Após o recebimento da resposta da agência, será dado andamento na demanda, com análise jurídica do retorno. Segundo o diretor-executivo do órgão, essa é uma fase preliminar, que pode resultar na abertura de um processo administrativo sancionador.
— Em ato seguinte, também vamos buscar mais informações com os Procons municipais para entender a repercussão desse caso. Nós (do Procon estadual) temos tido contatos por telefone e pelo tira-dúvidas do WhatsApp. E a nossa orientação para essas pessoas é que apresentem a reclamação com a documentação — afirma.
Como solicitar a atuação do Procon RS?
Pelo WhatsApp (51) 3287-6200 — de segunda à sexta-feira, das 10h até 16h. O atendimento eletrônico do Procon é feito via site institucional.