A dica de um amigo chileno me levou a Pichilemu. Ao planejar o itinerário que começaria em Santiago e terminaria na região das vinícolas, algumas horas ao sul, procurávamos um local próximo, onde pudéssemos parar por alguns dias e passar um fim de semana tranquilo com a família.
"Ah, há algumas semanas abriram um hotel novo em Pichilemu", afirmou nosso novo amigo, que nasceu no Chile e sempre viaja pelo país. Se existe alguém que entende disso, esse é o cara. Dei uma olhada no site e fiz a reserva.
Cerca de uma hora a oeste de Santa Cruz, a região que é considerada o epicentro da produção de vinhos do Chile, Pichilemu é uma pequena cidade de praia com vista para uma série aparentemente interminável de enseadas e costões rochosos, tudo isso em frente a quilômetros de florestas de pinheiros. Além disso, a região era um imã para surfistas. Com ondas enormes e longas quebrando na praia, surfistas de todo o país vêm para a região. A cidade de Punta de Lobos, a cerca de oito quilômetros ao sul, se tornou o palco de uma competição internacional de surfe todos os anos no mês de junho.
Durante a maior parte do ano, Pichilemu é uma comunidade calma, com cerca de 10.000 habitantes, mas visitamos o local em fevereiro, durante um feriado no Chile. Por isso, a principal praia da cidade estava lotada de famílias em férias, que andavam a cavalo pela praia, faziam piqueniques em frente ao mar ou caminhavam ao longo da costa. O circo, os carrosséis e os cafés davam a impressão de que participávamos de uma festa à beira mar, uma festa sem turistas estrangeiros.
Contudo, nosso destino final estava do outro lado da cidade. A pousada butique 8 Al Mar fica em frente a sua praia particular no final da rua que passa pela praia principal. Claudia Rajcevich e o marido, Renato Martinez, abriram a pousada em janeiro deste ano: o prédio de oito quartos com fachada de vidro e madeira foi projetado pelo arquiteto chileno Igor Moragathat e conta com uma linda vista para o Pacífico, com rochas enormes e esculturais saindo do mar.
O ensolarado terraço de madeira é recoberto por espreguiçadeiras com lugar para dois, esculturas e grades elaboradas feitas de restos de madeira, uma estátua asiática em frente a uma fonte zen e conchinhas decorando as mesas. Rajcevich, Martinez (que é surfista) e os quatro filhos do casal costumavam vir de Santiago nos fins de semana. Quando sua casa na cidade começou a ficar cheia de convidados, a família decidiu abrir a pousada e deixar a capital para sempre. O local parecia uma exposição de arquitetura em uma revista de design, nada que eu esperasse ver em uma pequena cidade de surfistas.
Depois da viagem, estávamos prontos para o jantar. Rajcevich e Martinez nos mandaram para o Costa Luna, um restaurante a poucos passos do hotel. Quando entramos, parecia que estávamos entrando no set de filmagens do filme "E sua mãe também". Havia jovens urbanos sentados com surfistas descolados em torno de uma fogueira no terraço, bebendo doses de pisco sour de frente para a arrebentação do Pacífico. Dentro do restaurante, uma lareira aquecia um casal que se deliciava com uma porção de ceviche. O bar simples oferecia uma carta com alguns dos melhores vinhos do país. Jantamos com vista para o pôr do sol sobre o mar e vimos a lua surgir no horizonte, como se assistíssemos a um filme em três dimensões.
No sábado de manhã, a enseada em frente ao hotel ainda estava calma, mas, à medida que nos aproximávamos do Água Bendita, um café que abriu as portas no começo deste ano, víamos turistas comendo doces e colocando o mate para aquecer em bicos de Bunsen, enquanto os intrépidos surfistas já tomavam conta das ondas. Enquanto bebia meu ristretto feito com um blend de cafés colombianos, brasileiros e africanos (o suco de laranja sanguínea com camomila, que prometia "limpar o sangue e as artérias", também parecia tentador), notei alguns panfletos que divulgavam um rodeio programado para aquela tarde. Quando voltamos para o hotel, Rajcevich nos explicou que era um festival gaúcho da região, que celebrava o fim do período da debulha dos grãos. Ela disse que levaria a sogra ao local e poderia nos indicar a direção.
Algumas horas mais tarde, depois de passarmos por sinuosas estradas de terra vermelha ao lado de salinas brancas e pastos dourados, meu marido e eu tentávamos imaginar como poderíamos descrever essas paisagens. O longo litoral pacífico se parecia com o norte da Califórnia; as estruturas quadradas de madeira e vidro, com a Escandinávia; os campos verdejantes repletos de gado pareciam o interior da Nicarágua. Entretanto, nenhum desses lugares seria capaz de reunir a extraordinária mistura que estávamos vendo.
Quando chegamos, os jogos já haviam começado. Os gaúchos vestiam diferentes camisas listradas (cada padrão indicava seu tipo de plantação) e estavam montados como guardas sobre cavalos reluzentes. Casais com botas e chapéus de caubói seguravam lenços brancos e dançavam as coreografias tradicionais, enquanto a banda tocava no palco. Para o deleite da multidão, um jovem que poderia ser confundido com Butch Cassidy subiu até o alto de um mastro para hastear a bandeira do Chile.
A principal atração do dia era a corrida de cavalos dentro de uma arena fechada, recoberta com trigo fresco: enquanto corriam, a força dos cascos parecia separar o joio do trigo. Enquanto isso, os cavaleiros podiam se exibir - o que fizeram enquanto os espectadores devoravam bifes grelhados e as tradicionais saladas chilenas, com cebolas doces e tomates suculentos, além de garrafas de vinho tinto. Aproximei-me de um dos cavaleiros mais formidáveis e perguntei se poderia tirar uma foto dele com meu filho de dois anos. Ele sorriu e colocou o menino sobre a cela. Mais tarde, meu filho se sentou com algumas crianças chilenas, que passearam em uma grande charrete puxada por cavalos de tração. "Víamos esse tipo de coisa quando éramos jovens", contou a sogra de Rajcevich, "mas fazia muito tempo que não vinha a uma festa desse tipo".
No dia seguinte, fomos à região das vinícolas. Mas antes, eu queria conhecer a cidade de Matanzas, um centro de surfe e windsurfe a cerca de uma hora ao norte, onde há também o Surazo, um hotel, restaurante e escola de surfe aberto por um arquiteto, um chef e um ortopedista de Santiago. A praia foi reaberta recentemente, após ser devastada pelo tsunami que se seguiu ao terremoto chileno de 2010.
Quase desistimos de chegar ao local, depois de perdermos duas ou três vezes a entrada de Matanzas, logo após um penhasco com casas de madeira pintadas ao longo da costa do Pacífico. Finalmente, um morador da região nos indicou o caminho certo, passando por uma ponte.
Escondida atrás de algumas árvores no começo da praia, estruturas elevadas de madeira levavam até um restaurante, onde o cardápio do dia incluía badejo fresco com molho de cogumelos e garoupa com tomate cereja e risoto ao pesto.
Belíssima arquitetura, comida de primeira, praias para praticar surfe e windsurfe, uma iluminação cinematográfica, um rodeio de cidade do interior, e quase nenhum estrangeiro à vista. Às vezes vale a pena repetir alguns lugares comuns: se não souber aonde ir, pergunte para alguém do local.
The New York Times
Pequena cidade de praia é rota para surfistas no Chile
Além das grandes ondas, Pichilemu fica em frente a florestas de pinheiros e tem vista para enseadas e costões rochosos
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