Imagine não depender do mar nem das condições de vento para pegar ondas. É o sonho de muito surfista. João Francisco, 28 anos, decidiu colocar em prática a ideia: construir uma piscina particular com ondas artificiais.
Quando começou, o surfista não tinha conta no Instagram. Durante o processo, abriu A Nossa Onda, que leva o nome do projeto, e postou alguns vídeos. Para sua surpresa ganhou mais de 300 mil seguidores em questão de poucos dias.
Além disso, também bolou nas postagens uma espécie de assinatura pessoal — dar pulinhos de lado abrindo os braços e as pernas ao mesmo tempo conforme a construção avançava.
Com a ajuda de apoiadores, da família e de outros praticantes do esporte, além de engenheiros mecânicos, ambientais e civis, transformou o projeto em realidade em um terreno privado da zona rural de Tramandaí, no Litoral Norte.
— Sou surfista desde que nasci e sempre acompanhei essa indústria de piscina com ondas — afirma Chico, como é conhecido em Tramandaí, onde vive.
— É uma mina de ouro. A questão é saber quem vai cavar essa mina junto — acrescenta, entusiasmado.
A piscina tratada por Francisco como "um protótipo em escala real" conta com 40 metros de comprimento por 15m de largura. A parte mais funda tem cerca de 1,80m. O espaço suporta 500 metros cúbicos de água. Um reservatório natural de água da chuva, localizado ao lado da piscina, serviu para enchê-la.
Segundo o autor da ideia, vários motivos contribuíram para a decisão de construir uma piscina com ondas artificiais — as características do mar da costa gaúcha seria um dos principais.
De acordo com sua avaliação, o mar nem sempre oferece a situação ideal para os surfistas, que acabam procurando melhores picos em outros Estados.
— O apoio familiar e dos amigos foi muito importante. Foi uma decisão de vida meter a cara. Eu não estava abrindo um surf park. Estava fazendo um primeiro projeto de modelo meu — compartilha.
Como o sonho virou realidade
O terreno privado foi cedido por um apoiador. Foi preciso obter autorização ambiental junto à prefeitura e, na sequência, começou a escavação do solo em setembro de 2024. O trabalho para cavar demorou cerca de dois meses.
— Começamos os primeiros testes usando uma caminhonete para puxar a chapa. Não tinha força. Depois tentamos um trator, que tinha força mas não possuía velocidade para puxá-la. Fomos para o caminhão, mas ele patinava muito — relembra sobre as tentativas fracassadas.
Mas os trabalhos seguiam adiante e ninguém pensava em desistir. Cerca de 10 pessoas o ajudavam de forma mais direta.
— Quando conseguimos ter força e velocidade, aí arrebentava o cabo de aço. Melhoramos a pista e um dia, quando estava escurecendo, conseguimos criar a primeira onda — orgulha-se.
Nesse dia, o surfista correu para pegar a prancha e ver se seria bem-sucedido no teste. Mas a sorte não sorriu para ele. As ondas tinham cerca de 30 centímetros de altura, o que era muito pouco.
— No fim não consegui surfar nela. Estava pequena. Tinha de regular a altura da água e o volume da piscina — explica.
Houve outros testes até que, enfim, o surfista e os amigos conseguiram surfar na piscina de ondas artificiais em novembro de 2024.
Chico explica que seguiu três pilares para tirar o projeto do papel:
- Escavar uma piscina revestida por lona como se fosse um açude
- Ter um sistema de trilho onde se desloca uma chapa responsável por formar essa onda
- Possuir um sistema de guincho que puxe essa chapa. No final, foi utilizado um caminhão para puxar.
Meta ainda mais audaciosa
Após os testes, o surfista decidiu esvaziar a piscina. Quando a reportagem de Zero Hora esteve no local só era possível ver o buraco tapado com lona preta e os equipamentos utilizados para fazer as ondas.
— A piscina de ondas é uma oportunidade muito grande e uma necessidade dos surfistas. Para a onda ser maior a piscina precisa crescer. A minha meta agora é fazer uma nova piscina buscando atingir a durabilidade e a automação desse projeto — planeja, dizendo que pretende fazer uma com cem metros de extensão.
O surfista estima que tudo tenha custado em torno de R$ 50 mil e reconhece que usou material de baixa qualidade e não tinha conhecimento técnico quando começou. O dinheiro foi pago por ele e pelos apoiadores do projeto. Não há patrocinadores ou empresários envolvidos na construção.
Questionado se pretende abrir o espaço para o público quando o projeto estiver consolidado, Chico revela que não definiu nada sobre como a piscina será explorada comercialmente.
— Meu objetivo é facilitar o acesso ao surfe e democratizar o esporte — diz, dando o tradicional pulinho dentro da piscina vazia.
Ele fala, ainda, sobre como seria o funcionamento do espaço:
— Calculo que seis pessoas ao mesmo tempo poderiam surfar. Porém, esse projeto possibilita fazer ondas para os dois lados, quando um surfista vai e outro volta e com tamanhos diferentes.
Quem quiser ver os vídeos com todas as etapas da construção e acompanhar o surfista em ação na piscina, pode acessar aqui.