Quem caminha pela praia de Capão da Canoa não leva muito tempo até ouvir uma conversa com sotaque castelhano. As camisetas de times argentinos, as cuias de mate e as placas de carro do país indicam a invasão hermana no Litoral Norte. Houve um aumento significativo de argentinos nesta temporada em relação ao verão anterior. Entidades ouvidas pela reportagem apontam o contexto econômico de Brasil e Argentina como a principal explicação para esse fenômeno (entenda mais abaixo).
A quantidade de turistas vindos do país vizinho vem sendo notada desde o mês passado no Rio Grande do Sul. Segundo dados da Polícia Federal, a entrada dos hermanos pela fronteira em Uruguaiana aumentou quase 50% em dezembro, comparado ao mesmo período do ano anterior. Foram 45.515 passagens pela aduana; enquanto, em dezembro de 2023, foram 30.585 — o que representa 48%.
Já nas praias, a presença maior de argentinos foi percebida principalmente após a virada do ano. A família da professora Carolina García, 44 anos, viajou pela primeira vez a Capão da Canoa. Ela, o marido e o filho percorreram mais de 1,3 mil quilômetros de carro desde o norte do país, na província de Chaco, onde vivem.
— Trouxemos nosso filho, Santino, de 10 anos, para conhecer o mar. Antes, quando éramos namorados, visitamos outras praias do Brasil, como Rio de Janeiro, Búzios e Camboriú — conta a turista, destacando que a praia gaúcha é mais próxima da Argentina do que as demais.
Movimento nos hotéis
Em grande parte dos hotéis do Litoral Norte, a língua predominante já é o espanhol. Conforme o Sindicato dos Hotéis, Restaurantes e Bares do Litoral Norte, na primeira semana de janeiro, a média de ocupação de turistas argentinos nos hotéis e pousadas é de 60%. Isso significa que, a cada 10 hóspedes, seis são do país vizinho.
O proprietário do Capão Mar Hotel, Milton Monteiro Júnior, conta que a hospedagem dos argentinos triplicou neste verão em relação ao ano passado.
— Particularmente, eu não esperava o aumento neste ano. Isso é muito importante para o litoral gaúcho, pois sustenta um período de dia de semana (que costuma ser mais baixo com visitantes brasileiros). Acredito que a tendência é que, nos próximos anos, aumente ainda mais — conta.
A diretora do sindicato, Ivone Ferraz, destaca que este é o maior movimento dos últimos 10 anos. No hotel do qual é dona, a ocupação dos argentinos chega a ser de 80%.
— Já vínhamos tirando essa febre desde o ano passado, quando notamos o interesse dos argentinos pelas nossas praias durante uma feira de turismo em Buenos Aires. A procura pelo litoral gaúcho ganhou ainda mais força em razão dos diversos pontos interditados para banho em praias catarinenses.
Em outras praias, como em Torres, a visita dos estrangeiros também aumentou. O que chama a atenção nesse caso, é o perfil dos turistas e também o breve período de tempo que eles permanecem na cidade, observa o secretário de Turismo do município, Gabriel de Mello.
— A gente está percebendo um movimento mais sazonal. Eles vêm de passagem, ficam um ou dois dias e vão para outras praias em Santa Catarina. Depois voltam e, no caminho para casa, ficam mais um ou dois dias. Nesta primeira quinzena, estamos vendo mais casais de jovens ou idosos e menos famílias, mas isso deve mudar a partir da segunda quinzena de janeiro.
Contexto econômico
Entre os motivos que explicam esta onda azul e branca nas praias gaúchas, o principal é o aumento do poder de consumo. Moradores de Entre Rios, província próxima à fronteira gaúcha, Maria Jacinta, 20 anos, e sua família decidiram percorrer a costa brasileira neste ano. Após passar o Réveillon em Bombinhas, Santa Catarina, pararam em Capão da Canoa para passar dois dias. Além da beleza do mar, mais limpo nesta temporada, a argentina destaca a facilidade para fazer compras como uma vantagem de ir ao Brasil.
— Como está mais barato aqui, compramos mais, vamos ao shopping, ao centrinho. Os preços aqui na praia, como do milho e de outras comidas, também são muito baratos. Estamos vendo muitos argentinos aqui nos últimos dias, pois a economia está melhor — conta.
O aspecto trazido por Maria é compartilhado por outros turistas e por entidades questionadas pela reportagem. Conforme a Câmara de Comércio Argentina Brasileira de São Paulo (Camarbra), a Argentina teve uma valorização da sua moeda no último ano, o que proporcionou facilidade para adquirir dólares e maior poder de compra no exterior. Do lado de cá, o real vem em um movimento oposto, de desvalorização.Na prática, para os hermanos, o custo passou a ser mais barato no Brasil do que no seu próprio país. Da mesma forma que, para os brasileiros, atravessar a fronteira se tornou mais caro.
— O argentino está acostumado a pensar tudo em dólar: "quanto meu salário em pesos significaria em dólar". Com uma moeda mais estável e mais valorizada, faz muito mais sentido para o argentino pensar em viajar para lugares que eram impossíveis. Porque antes, se trocasse o seu salário em peso por dólar, era um valor muito baixo. Agora, trocar seu dinheiro significa ter muito mais dólares. Com mais dólares e um real desvalorizado, traz mais benefícios — explica Constanza Bodini, diretora da Camarbra.