Uma das grandes paixões de Paulo Albernaz, 55 anos, resulta da união de um chassi, um banco, três rodas, uma vela e muito vento. Trata-se da prática de carrovelismo: um esporte realizado com pequenos veículos impulsionados pela força das rajadas. Para o aposentado, a combinação fica ainda melhor se incluir o mar — mais especificamente o da praia do Cassino, em Rio Grande, no sul do Estado.
— Este é o meu brinquedo favorito — anuncia ao retirar o carrinho ainda desmontado da traseira da camionete estacionada na faixa de areia.
Formado em Artes Visuais, o rio-grandino lembra de ter visto esses veículos pela primeira vez ainda na adolescência. Foi em uma volta de bicicleta até a praia com um amigo. A prática de carrovelismo (também chamado de windcar), no entanto, começou mais tarde, há cerca de 15 anos.
Foi depois de pesquisar e dialogar sobre o esporte que encontrou projetos bem modernos. A partir daí, decidiu fabricar os próprios carrinhos. Hoje, há 34 espalhados pelo Brasil e um na Argentina.
Com o passar do tempo, o que poderia ser apenas um hobby, se tornou uma das coisas pelas quais se diz apaixonado — os filhos, os animais de estimação, o xamanismo e a praia completam essa lista.
— Não me vejo sem carro à vela e não me vejo longe do mar. Já tive oportunidade de ir para o interior do Brasil, mas sem sal e sem vento a carne estraga. Se eu for morar em outro lugar que seja litoral, tem que ter uma faixa de areia compacta que dê para andar de carrinho ou, pelo menos, algo parecido — destaca Albernaz.
A prática e a praia do Cassino
De acordo com o rio-grandino, o carrovelismo teve origem na França, em 1898. Depois, o esporte foi para a Europa, onde é praticado no gelo, com esquis no lugar das rodas, e, na sequência, para a Argentina. O país vizinho tem cerca de 50 anos de prática de carro à vela e abriga o melhor lugar onde Albernaz já andou até hoje: Pampa do Leoncito ou Barreal Blanco, em San Juan, que oferece uma massa de ar gelado, com um vento de 50km/h, na “direção perfeita”.
Já o segundo melhor local, na visão do aposentado, é o seu “pátio”: a praia do Cassino.
— É uma área de fácil acesso, não tem problema de transitar, porque é permitido inclusive o trânsito de carros. E nós temos 230 quilômetros de extensão, unindo o Balneário Cassino com o Balneário Hermenegildo. É a praia mais extensa do mundo e tem várias áreas desérticas, sem habitantes. Então, é uma experiência ímpar, é algo fantástico — ressalta, acrescentando que já fez três vezes o trajeto de 500 quilômetros entre Pinhal e o Chuí.
Fora isso, o rio-grandino aponta que a região conta com faróis a cada 60 quilômetros, além de alguns naufrágios e uma fauna única. Ao praticar o esporte, é possível encontrar leões-marinhos, pinguins e tartarugas.
— Do Brasil, é o melhor lugar. Existem praias no Nortes com vento muito bom e com piso firme, só que no Nordeste a tábua de maré chega perto de seis metros. Então, tem uma hora que tu pode velejar e uma grande parte do dia não pode, porque está tudo inundado. O Cassino é top, é a freeway — brinca Albernaz, comparando as areias do município com a famosa rodovia.
O típico vento da região é outro ponto fundamental para a prática do esporte. Em março de 2023, a cidade reuniu 32 carrinhos para o 1° Encontro Festimar de Carrovelismo. Somente no sul do Estado, há cerca de 15 praticantes. Conforme Albernaz, se as rajadas estiverem laterais, o carrinho pode andar três vezes mais rápido do que o vento. O peso de quem está pilotando interfere na velocidade, mas com 12 nós (cerca de 20 km/h) já é possível se movimentar:
— Com vento de 20 km/h, se for lateral, conseguimos chegar perto de 60 km/h. Aí já tem um ganho bom. Eu consegui colocar 98 km/h no deserto e 115 km/h aqui na praia.
Benefícios do esporte e sonhos
O rio-grandino tem dois carrinhos próprios e comenta que está fabricando um para dar aulas. Também adaptou um dos veículos para ensinar um senhor que não tem o movimento das pernas. Albernaz afirma que vem tentando difundir essa ideia, porque o esporte é “fantástico para cadeirantes”, basta preparar um banco adaptado para as lesões.
Junto de outros praticantes, o aposentado está fundando a Associação de Carrovelismo do Cassino, para difundir o esporte e trabalhar a conscientização ambiental nas escolas.
— Como eu tenho formação de licenciatura também, tenho vontade de levar isso para a gurizada, principalmente nas escolas municipais, para as crianças carentes. O carro à vale, além de ser um esporte e uma diversão, consegue ensinar um pouco de filosofia, porque o imediatismo morre. Se não tem vento, a gente dá risada e conversa. Se tem muito vento, a gente respeita — diz.
Outra vontade do aposentado é levar para o Cassino um campeonato mundial de carrovelismo. Ele defende que a praia tem todas as condições necessárias de sediar uma competição desse nível: além do vento e da faixa de areia, cita o porto, que poderia receber os carrinhos de container, e o suporte médico — quesitos que são exigidos pela Federação Mundial de Carro à Vela (FISLY, na sigla em inglês). O problema, segundo Albernaz, é que existem poucos praticantes dentro de categorias oficiais.