Em janeiro de 2020, uma coruja da espécie buraqueira ficou conhecida entre os moradores de Capão da Canoa, no Litoral Norte. Batizada carinhosamente de Bu, a pequena ave teve seu ninho preservado por iniciativa de um grupo de amigos, que instalaram uma grade nas dunas da beira-mar para garantir a segurança dos ovos.
Quem se aproxima ainda percebe placas com mensagens criativas, que servem como poleiros para os bichinhos. Em uma das sinalizações, por exemplo, está a frase “Pare, pense, a vida é bela, dê uma chance a ela”.
Foi este o ideal que motivou os moradores a buscarem preservar a vida dentro dos ovinhos, que acabavam sendo quebrados por banhistas. No começo deste ano, nasceram os filhotinhos de Bu, após muita expectativa. Meses depois, a família está crescendo e conta com quatro filhos adultos. E já há mais ninhos espalhados pela região.
— Talvez a Bu venha a ser vovó! — brinca o estudante de medicina veterinária Tiago Dominguez, 29 anos, um dos idealizadores do espaço de isolamento, que hoje tem outro ponto instalado a alguns metros de distância do original.
Conforme Tiago, o ninho pode durar cerca de dois anos, fazendo com que as corujas permaneçam por bastante tempo no mesmo local, até se sentirem seguras para seguir adiante.
— A Bu virou notícia, pois há dez anos as corujas estavam afastadas da região central. As dunas são uma área de reprodução da vida silvestre. Aves, mamíferos e répteis as utilizam como moradia — explica o ativista.
Para o professor do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), vinculado ao campus do Litoral Norte da UFRGS, Ignacio Benites Moreno, as corujas buraqueiras são importantes para o ecossistema por serem predadoras de roedores, insetos e de outros animais, o que reflete também na vida dos seres humanos. Ele salienta que a convivência com a fauna exige uma colaboração do homem para não interferir e causar prejuízos.
— O ideal é não chegar perto, não deixar os cachorros se aproximarem, fotografar de longe, evitar fazer selfie com o bicho do lado, porque isso vai estressando ele. A coruja está cuidando dos filhotes, e é um momento bastante estressante para a mãe. E para os filhotes também, ou seja, o estresse pode fazer com que eles não se alimentarem direito, e a fêmea não queira sair muito do ninho para pegar comida. Isso pode prejudicar o desenvolvimento dos filhotes — alerta o professor.
Em Imbé, ninho é monitorado
Perto de Capão da Canoa, outra iniciativa também ajuda a cuidar das corujas da mesma espécie. A Associação dos Amigos da Alameda dos Eucaliptos, em Imbé, monitora um ninho na região que fica próximo ao mar e às dunas de areia.
— Nós temos um pessoal que volta e meia passa por ali para ver como é que está o cercadinho e como que está a saúde das corujas — conta o professor e mestrando em desenvolvimento regional no campus do Litoral da UFRGS, Álvaro Nicotti.
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Segundo o docente, o grupo comunitário se comprometeu a fazer mutirões de educação ambiental, além de ações de preservação, plantio de árvores nativas e cuidado com a fauna local.
A coruja buraqueira é bastante comum nas dunas do litoral gaúcho. De acordo com o professor Moreno, o animal indica a saúde do ambiente, mostrando que é possível encontrar locais em que é viável uma relação entre a urbanização e a natureza.
Com fácil adaptação, a ave está presente em outras partes do Brasil, assim como no Canadá e em países da América do Sul. A coruja-buraqueira também pratica a chamada monogamia social. Estudos apontam que o mesmo casal mantém a “fidelidade” por várias gerações reprodutivas.