O projeto que prevê a construção de uma nova ponte ligando Imbé a Tramandaí tem sido um dos principais assuntos entre moradores dos dois municípios. A obra é vista como uma alternativa à atual ponte, Anita Garibaldi, para desafogar o fluxo de veículos e ampliar o desenvolvimento da região.
Ainda que seja um desejo antigo de grande parte da população, a forma como ela foi proposta pela prefeitura de Imbé é alvo de polêmica e divide opiniões. Entre os modelos inicialmente considerados no projeto inicial, foi escolhido o que ligaria as avenidas Nilza Costa Godoy (Imbé) e Beira-Rio (Tramandaí), a poucos metros da Barra de Tramandaí, onde o Rio Tramandaí deságua no mar. O ponto é conhecido pela presença constante de botos.
Segundo ambientalistas, o local é fundamental para o acesso destes animais ao rio, levando à prática conhecida como pesca cooperativa, em que eles auxiliam pescadores na captura de peixes. A atividade é considerada rara, feita em apenas outros dois locais do mundo: Mianmar, país do sudeste asiático, e no município de Laguna, em Santa Catarina.
Pescadores que praticam essa modalidade se dizem preocupados com a construção. Eles alegam que a vibração dos pilares debaixo da água causada pelo movimento dos veículos pode afastar os botos, que deixarão de passar pela Barra de Tramandaí.
O pescador Nilton Isidoro faz parte do projeto Botos da Barra, coordenado pelo Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para fazer parte desse projeto, além de utilizar a ajuda dos botos para pescar, é preciso ter especialização e registro nacional de pesca. Ele afirma que grande parte da sua renda é obtida através da cooperação e teme que a atividade que pratica há mais de 30 anos seja extinta com a concretização da ponte.
— A gente depende desses botos. Se eles não vêm mais, como o pescador vai viver? Se a ponte sair, eles vão ajudar o pescador? Vão dar subsídio o ano todo, a vida toda? Porque vivemos disso — questiona.
Para o secretário da Colônia dos Pescadores Z40, em Tramandaí, e vice-presidente do Fórum da Pesca do Litoral Norte, Leandro Miranda, além do prejuízo aos trabalhadores, há o risco de perda da identidade cultural das duas praias.
— É um fenômeno único que temos como diferencial na região. São 16 botos que circulam por aqui. Acho que o gestor público tinha que pensar na identidade cultural também, isso pode acabar se a ponte for feita nesse lugar — acredita.
A manifestação contrária à possível localidade da nova ponte não é unanimidade entre os pescadores. Antônio Silva havia acabado de deixar o rio com uma rede repleta de peixes trazida por um dos botos. Ele disse não acreditar que a construção acabará com a presença dos mamíferos.
— (A nova ponte) Não vai prejudicar os botos. Os barcos que passam aqui fazem mais barulho do que a ponte vai fazer. Se fosse assim, já era pra ter espantado os botos. Além disso, (a ponte) vai trazer uma estrutura boa para ajudar os pescadores a pescar.
Um dos principais argumentos de quem é favorável ao atual modelo é que, antigamente, havia uma passarela no mesmo local, conhecida como Ponte das Sardinhas. Demolida há 15 anos, a estrutura era utilizada para passagem de pedestres e ciclistas e servia como um ponto de atividade pesqueira. Ao contrário da estrutura a ser implementada, não era autorizada a passagem de carros e caminhões.
O coordenador do projeto Botos da Barra e professor do Ceclimar Ignácio Moreno reconhece que nem todos os pescadores têm conhecimento dos impactos que a obra pode trazer. Muitos deles não fazem parte do projeto, que conta, hoje, com nove membros.
— Para fazer parte do projeto, não basta fazer a pescaria cooperativa, tem que demonstrar conhecimento técnico e possuir o registro — explica.
Um pouco mais longe da Barra, pessoas que praticam outras formas de pesca compartilham a posição de Antônio. Luis Santos se reúne diariamente com um grupo de mais quatro pescadores próximo à ponte Anita Garibaldi. Ele também não concorda que a vinda dos botos irá acabar com a nova estrutura, mas reconhece outros possíveis problemas. Céticos, Luís e seus colegas não acreditam que a obra sairá do papel. Mas, caso saia, ele atenta para a possibilidade de alterar o fluxo de sardinhas no rio:
— Pela maquete, dá par ver que vai dividir o rio. Vai ter dias em que terá mais sardinhas só de um lado, e depois só de outro. Fora isso, tudo que ajuda pro progresso é bom, mas gostaria que fosse mais próximo da lagoa.
A opinião de construir a ponte em um ponto mais afastado do mar é compartilhada pela maioria dos moradores ouvidos por GZH. Quando o projeto foi aprovado, o laudo técnico encomendado pela prefeitura de Imbé apontou dois possíveis locais de construção, um mais próximo da Barra e outro ao lado da Lagoa Tramandaí, entre as avenidas Porto Alegre (Imbé) e Rubem Berta (Tramandaí). No entanto, conforme a prefeitura, o segundo projeto custaria cerca de R$ 150 milhões, quase quatro vezes mais caro do que o modelo escolhido, com custo estimado em R$ 40 milhões.
Movimento "Não à Ponte"
As críticas ao projeto não ficam apenas na esfera ambiental. O bairro Barra, considerado um dos mais tranquilos e visados de Tramandaí, é localizado na altura em que a ponte deverá ser construída. A proximidade com o rio e o mar atrai veranistas, que ocupam a maioria das residências.
O professor aposentado Evaristo Schwaab mora em Cachoeirinha, mas passa os verões na cidade há 22 anos. Ele argumenta que a localidade, formada por ruas estreitas, não suportaria o movimento de veículos que utilizarão a nova estrutura. Além disso, reclama que o trabalho das obras irá terminar com o clima de paz que as pessoas procuram ao buscar moradia no bairro.
— O melhor lugar é aqui porque recebe o primeiro vento do oceano, é um lugar saudável, tranquilo, com ar puro. O veranista quando procura uma casa aqui é por conta disso, é quase um condomínio fechado. O bairro não suportaria qualquer projeto de ponte — afirma.
Evaristo é um dos criadores do movimento "Não à Ponte", formado por moradores e veranistas da região, além de pescadores e ambientalistas. As decisões são tomadas em um grupo de WhatsApp, composto atualmente por cerca de 50 pessoas. Atualmente, os membros estão se mobilizando para apresentar suas reivindicações às prefeituras. Um encontro com representantes da Secretaria de Segurança, Direitos Humanos, Transporte e Trânsito de Tramandaí estaria sendo agendado para essa semana.
Logo que o projeto foi anunciado, Evaristo mandou confeccionar uma faixa de protesto contra a nova ponte na região da Barra, a qual estende na sacada do seu apartamento, em um prédio de três andares (veja a foto acima). Inicialmente, ela foi colocada em uma praça na beira do rio, mas arrancada horas depois.
— Deve ter sido alguma pessoa que não entendia o motivo do nosso protesto. Hoje, ao apresentar nossos argumentos, já vemos que a população apoia.
Do outro lado do Tramandaí, parte da população também manifesta dúvidas quanto ao projeto. O presidente da Associação Comunitária de Imbé, Athos Stern, vê que há pouca participação da população na decisão do poder público. Athos, que é também engenheiro, afirma que há uma série de estudos que ainda precisam ser feitos para garantir a segurança da ponte.
— Faltam diversos estudos mais aprofundados sobre impacto ambiental, mobilidade urbana e outros aspectos técnicos. O diálogo entre tomadores de decisão, incluindo a população, é fundamental para definir políticas públicas a respeito da manutenção da biodiversidade e do desenvolvimento.
Comerciantes exigem nova ponte, mas demonstram cautela com atual projeto
Um dos grupos que mais pede pela construção de novas pontes é o de comerciantes e lojistas. O presidente da Câmara dos Lojistas de Imbé e Tramandaí, Marcelo Marques, afirma que o fato de a ponte atual não suportar o fluxo de veículos pesados, como caminhões e ônibus, dificulta a logística e encarece o frete de produtos que chegam à região. Marques, no entanto, reconhece as polêmicas envolvendo a localização do atual projeto e diz que aguarda os resultados dos estudos para ter uma posição.
— No momento que se confirme que a obra não é prejudicial para os botos, vamos apoiar. Se for constatado o contrário, vamos exigir uma nova alternativa, pois, para nós, a ponte precisa ser feita — afirma.
Prefeitura de Imbé nega necessidade de estudo de impacto ambiental
Em meio ao processo de viabilização da nova ponte, a prefeitura de Imbé está tomando a frente nas decisões para a realização da obra. Neste momento, o município está fazendo o orçamento para a contratação das empresas que irão produzir as análises de licenciamento ambiental, estimadas em R$ 400 mil. O processo para contratar os responsáveis já foi aberto e deve ser definido nos próximos dias. Após a conclusão dessa etapa, será realizado um estudo de execução, usado para definir as características arquitetônicas da ponte. Só depois será autorizado o andamento das obras.
As análises técnicas a serem feitas, no entanto, não devem contar com o estudo de impacto relativo às condições dos botos, requisitado por pesquisadores da Ceclimar. Segundo o prefeito de Imbé, Ique Vedovato, não há uma obrigatoriedade por lei de fazer esse tipo de levantamento, que iria atrasar e encarecer o projeto.
— O estudo de impacto, além de levar de dois a três anos para ser concluído, pode custar R$ 2 milhões. Eu vou fazer o que a lei obriga. Se a prefeitura fizer um tipo de estudo que não é obrigatório, vai ser um gasto a mais.
O projeto de licenciamento ambiental exigido pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) pode ser feito de forma online. A prefeitura afirma que só cumprirá com o pedido dos ambientalistas caso seja solicitado pelo órgão. A Fepam, por sua vez, diz que só vai se pronunciar após receber e analisar o documento.
GZH buscou uma resposta da prefeitura de Tramandaí, que não deu retorno até o fechamento desta reportagem.