Imigrantes africanos estão trocando o Interior pelo Litoral neste verão. Vindos de cidades como Erechim, Novo Hamburgo e Passo Fundo, trabalhadores informais senegaleses, gambianos, ganeses e angolanos aproveitam os meses da estação quente para engordar a renda.
Vendem em praias como Capão da Canoa, Torres e Tramandaí produtos como relógios e bijuterias para sustentar a si mesmos e à família, que não raro ficou no continente do outro lado do Atlântico.
- A maior parte do que consigo aqui, mando de volta para minha mãe e irmãos em Kaolack, no Senegal. A vida no Brasil também é difícil, e não recomendo que eles venham para cá. Quero mesmo um dia voltar para lá - diz, em português vacilante, Bassilou Diop, 22 anos, que chegou ao país em 2014.
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Andando com seus itens à venda em maletas que facilitam o transporte, Bas - apelido que ganhou dos amigos que fez em Capão da Canoa - trabalha como nômade por causa da fiscalização. Na cidade, os africanos são orientados a atuar apenas na faixa de areia, mas sem autorização formal.
Porém, os imigrantes reclamam que o público à beira-mar não tem tanto interesse em seus artigos. Assim, buscam vender no centro, à noite, quando a movimentação aumenta e a fiscalização diminui. Bas conversa com os olhos espreitando os arredores, temendo alguma abordagem que resulte na apreensão de seu trabalho.
O senegalês e os colegas garantem que preferem ter de pagar por um alvará que libere seu trabalho como ambulantes. Em Capão, não conseguiram. O chefe da fiscalização, Luís César de Mattos, explica que não permite a venda porque os itens não têm certificado de procedência. Já em Tramandaí, o secretário municipal da Indústria e Comércio, João Carlos da Silva, adotou a distribuição de coletes para identificar quem está legalizado e quem vende sem autorização.
Assim como seus colegas de outros países, o gambiano Abdul Jan, 30 anos, diz que a venda dos artigos de origem duvidosa é uma necessidade. A vontade dele, porém, é de arranjar um emprego fixo em que ganhe o suficiente para viver com dignidade e consiga ajudar os familiares que deixou na África.
Não bebo, não fumo, não tenho vícios. Só quero um emprego decente no Brasil. Enquanto não encontro, trabalho como ambulante, mas melhor seria ter carteira assinada diz Abdul, que deixou uma vaga formal em Passo Fundo, onde ganhava R$ 800, para vir ao Litoral. Ele não revela quanto consegue arrecadar no verão, apenas que aproximadamente 75% de tudo é enviado à família.
Bas e Abdul espelham características compartilhadas pelos imigrantes africanos: eles vêm sozinhos, moram em apartamentos alugados com compatriotas que só conhecem aqui, trabalham em outras cidades até em outros Estados durante o ano e buscam uma vida melhor no Brasil. Seu objetivo final, contudo, é um dia voltar para a terra natal.
Ao encerrar uma jornada de trabalho, Bas fechava as malas onde expõe seus produtos e se encaminhava para um pequeno apartamento que divide com quatro outros senegaleses nas proximidades da rodoviária de Capão da Canoa. Quando chegasse lá, tinha um ritual a cumprir.
Trabalhar aqui é bom, mas a melhor parte do dia é chegar em casa, tomar um banho, descansar e conversar com a família e os amigos pelo Facebook. A saudade é grande diz Bas.
A vontade do também senegalês Abdou Mane, 35 anos, todos os dias, é a mesma. Trabalhando em Capão da Canoa há quatro anos, mas desde 2008 no Brasil, ele revela, com sorriso aberto e olhos cansados, que gosta do país e do litoral gaúcho, onde diz ser bem tratado por todos. Mesmo assim, sofre com a saudade de casa:
- O meu pensamento está sempre lá.
Boa relação com os brasileiros
Mesmo disputando espaços concorridos à beira-mar e na área central, os africanos não fazem inimigos. Veranistas e outros vendedores ambulantes concordam: respeitosos e trabalhadores, os estrangeiros dificilmente se envolvem em confusão, preferindo manter uma relação amigável com todos.
Quem convive com eles na areia da praia revela que a abordagem aos veranistas é sempre tranquila, embora na negociação os percalços da língua se façam presentes - afinal, com exceção dos angolanos, são poucos os que vêm sabendo falar português.
- Há oito anos consecutivos trabalho em Tramandaí e nunca tive problemas com eles. É cada um com seus clientes - diz Nilton Gomes de Souza, 49 anos, morador de Araçuaí (MG) que vende roupas no litoral gaúcho durante o veraneio.
Sentado em um banco no calçadão da cidade, produtos expostos sob o sol, o senegalês David Diack, 27 anos, diz que seu povo é reservado no trato com as pessoas. Por questão de cultura e religião - Diack é seguidor do islamismo, como a maior parte dos senegaleses -, eles evitam qualquer aproximação mais íntima ou desrespeitosa com os clientes, em especial às mulheres. Dificilmente se vê partindo deles um grito para chamar atenção ou mesmo um aperto de mão com desconhecidos.
O morador de Capão da Canoa Alexandre Minossi, 37 anos, chegou a abrigar um grupo de africanos há alguns anos, quando mantinha um quiosque na praia:
- Esses caras são muito educados, realmente vêm aqui para trabalhar. Ajudo eles no que posso, mas também sei de gente que não os recebe muito bem porque são negros, porque vêm de fora. É uma pena.
Alexandre e seus amigos senegaleses se reencontram com frequência no verão, e ele revela que é tratado como um irmão pelos africanos - um parente que, assim como os que ficaram longe, em outro continente, os estrangeiros gostam sempre de rever.