“Deveria ter tirado mais fotos de quando te tive.” Esta é a tradução do refrão da música DtMF, do porto-riquenho Bad Bunny, lançada em janeiro deste ano.
Nas redes sociais, usuários utilizam o som para compartilhar fotos e vídeos de momentos bons que ficaram na memória ou de pessoas que já não estão mais aqui. A tendência conta com mais de 500 mil publicações que seguem esse tom saudosista.
Em uma caixa, a estudante Eduarda de Lima Coelho, de 22 anos, guarda fotos reveladas avulsas. Em outra, ficam os álbuns. Alguns são específicos: registram um único aniversário ou passeio. Outros reúnem fotos de diferentes momentos. Ela não consegue conter um sorriso enquanto mexe nas lembranças e narra as histórias por trás de cada imagem.
— Esse é do aniversário da minha avó. E esse é um álbum meu, com fotos de aniversários, amigas, viagens. Uma vez peguei uma câmera escondida da minha mãe, quando era pequena, e levei para a escola. Só para tirar fotos — conta a jovem ao abrir diferentes álbuns de fotos empilhados no sofá da sala de sua casa, em Porto Alegre.
O hobby de fotografar momentos existe desde que Eduarda é pequena. Começou com a avó, Marilene, que passou para a mãe, Morgana, e agora é mantido por ela. Em festas de família, jantares com amigos, viagens ou passeios, ela é a responsável por registrar lembranças.
Para ela, rever as imagens traz uma sensação única, como se fosse possível se teletransportar para uma época diferente:
— Eu acho que é uma forma de realmente congelar no tempo as memórias boas, porque é muito bom o sentimento de conseguir ver uma foto e lembrar daquele momento.
Curadoria dos melhores momentos
Ao abrir um álbum autocolante, popular nos anos 1980 e 1990, que tem as páginas adesivas cobertas por uma folha de plástico transparente, a administradora do lar Camila Bianchi, 44, relembra momentos da infância.
Ela relata que a mãe costumava tirar fotos em câmeras de filme, revelar todas e selecionar as mais especiais para compor o álbum. Hoje, com duas filhas pequenas, o hábito ganhou ainda mais importância.
Para ela, capturar os momentos especiais de um passeio ou de uma viagem é uma maneira de registrar a história de vida das meninas. Em um movimento parecido com o da mãe, Camila tira fotos e seleciona as melhores para serem impressas e compiladas em um álbum ou em quadros, que ficam espalhados pela casa.
— Sempre curti muito poder olhar as minhas histórias nos álbuns. E senti essa necessidade com as minhas filhas. Eu vejo que elas gostam e nós colocamos as fotos em murais, álbuns e em porta-retratos. Elas recebem as amiguinhas e mostram os álbuns. É uma coisa muito gostosa. Assim, eu tiro as crianças das telas também. Elas não ficam vendo as fotos no computador ou celular, mas em um álbum, que elas podem escrever e colar figurinhas — afirma.
Camila lembra que, quando era criança, a mãe a parava no meio da brincadeira para posar para uma foto. Hoje, ela gosta de capturar momentos espontâneos da filha, enquanto brincam e se divertem.
Além disso, ela costuma emprestar câmeras para as pequenas tirarem as próprias fotos quando fazem algum passeio ou viagem e, assim, serem donas das suas respectivas narrativas.
— Quando olho essas fotos, dá um quentinho no coração. Ao sentir alegria significa que olhamos o lado bom da vida. É aprender a enxergar e ensinar minhas filhas a enxergarem as belezas. Claro que temos perrengue, dores, saudades, faltas e desafios. Porém, o lado bom compensa. É preciso limpar a lente para enxergar direitinho — reflete.
Fotos materializam boas lembranças
Eduarda e Camila garantem que não dividem o sentimento descrito por Bad Bunny, sobre o desejo de tirar mais fotos, uma vez que elas sempre se preocupam em capturar os momentos especiais. Ainda assim, afirmam que não deixam de viver o momento para conseguir o clique perfeito.
Para a psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Sinos (Unisinos), Melina Lima, esse equilíbrio é essencial:
— O excesso de preocupação com o registro nos desconecta dos outros sentidos que são importantes para o armazenamento da informação, para a consolidação em forma de memória. Precisamos estar conectados com os outros sentidos para ter uma boa memória dos eventos que são importantes. A fotografia é um apoio maravilhoso, mas não é o único recurso quando falamos na criação de recordações.
Ainda, a especialista assegura que os registros são importantes para a saúde mental e para a memória.
Os registros ajudam a preservar momentos significativos, reforçando lembranças e emoções positivas. Além de conectar gerações, as recordações podem fortalecer a identidade, pois mostram a trajetória pessoal e familiar.
— Ao olhar fotos, acionamos a nossa memória de longo prazo, que é aquela que apresenta uma capacidade ilimitada de armazenamento. No cérebro, ativamos uma região localizada no lobo temporal e outras mais específicas, como o hipocampo, que ajuda nesse processamento. Essas memórias, quando ativadas, são indissociadas das emoções. Logo, ativamos também o sistema límbico, que é responsável pelo processamento das emoções e, por consequência, o córtex pré-frontal — explica.