O esporte me fez entender quem eu sou hoje. Tá aí uma frase pronta e que poderia ser dita por qualquer atleta, porém aqui há uma grande verdade sobre essa jornalista que escreve uma coluna especial de Dia das Crianças. E é justamente no período mais doce da vida que essa história envolvendo a minha identidade e o esporte se cruzam.
Ah! Claro que eu só fui entender tudo isso muito tempo depois, afinal de contas, naquela época eu só estava preocupada em viver uma fase sem grandes responsabilidades (que saudade desse tempo, inclusive rsrsr).
Se tinha um evento que eu esperava o ano todo pra acontecer eram as Olimpíadas Escolares. O lugar inteiro se dividia em equipes com cores diferentes, mascotes, hinos, apresentações, jogos e tudo que uma grande competição merece ter. Decorações, torcida, uma comunidade inteira envolvida. Imagina uma final de Champions League. Esse era o sentimento pra quem vivia aquela semana alienada. Só que dentro de uma escola, mas este é um mero detalhe.
Entre a ajuda nas gincanas e a participação nos times de vôlei, handebol e nilcon - um esporte que deveria ter mais destaque mundial, inclusive -, tinha algo que fazia parte da minha rotina nesse período: cada dia um penteado diferente pra viver as olimpíadas. E eles eram feitos pelo meu pai. Tranças, fitas, acessórios. Foi ali, naquela época, que a relação com o meu cabelo, que hoje faz parte da minha identidade e da minha vivência como uma mulher negra, começou a ser criada. Tu deves estar te perguntando se ele era cabeleireiro. E a resposta é não.
A verdade é que aquele era um momento de pai pra filha, sabe?! Tenho recordações do orgulho do meu pai em me ver amar os meus traços e o encaracolado dos meus cabelos. Eu saía falando pra todo mundo: "Foi meu pai que fez". Alguns olhavam e respondiam com expressões felizes e outros nem tanto. Assim como é hoje. Desde os anos 2000, criei amor pelo que, anos depois, fez eu me entender dentro da sociedade. Fez eu ter cuidado e zelo pelos meus, incentivar e partilhar das vivências com tantas outras pessoas que passaram pelo mesmo tipo de reação.
E nas Olimpíadas, parecia que era aquilo que me dava sorte. Então, lá eu ía.
Em todos os jogos, com as tranças enroladas em fitas, feitas pelo meu pai, lembro também da minha mãe me incentivando em cada partida. Dava pra sentir ela dizendo pra eu não desistir, sempre preocupada com a minha proteção. "Cuidado com a bola!", "Vai com calma", "Segue! Vocês vão ganhar". Não adiantou muito, porque eu levei muita bolada e ralei muito joelho (quem nunca, né?!), mas ela estava sempre pronta com um curativo. Naquela época, minha mãe trabalhava como secretária na escola em que eu estudava em Pelotas. Então, era um envolvimento duplicado nas Olimpíadas. Minha mãe era do tipo que fazia de tudo pra eu aprender, do jeito que fosse.
E sim, tudo isso nas Olimpíadas Escolares. Eu disse que era tão intenso quanto uma final de Champions, não disse? Vou repetir então: eram os jogos que fizeram eu entender quem eu sou hoje.
Hoje, em 2023, parece que entendi tudo. Meu pai não faz mais os penteados no meu cabelo. Agora sou eu que faço. Volta e meia ele responde um story dizendo "que lindo o teu cabelo", "gostei do penteado, hein, filha! Saudade de quando eu fazia em ti". Seu Claudio é assim. Continua cultivando o que ele sabe que é importante para minha reafirmação e para minha autoestima dentro dessa sociedade.
Diariamente, mesmo longe, Dona Cinara dá um jeito de me fazer sentir a vibração dela daquela época de arquibancada. Segue sempre me incentivando, dizendo pra eu seguir firme e relembrando que ainda tenho muito pra conquistar.
Para quem pensa que a gente só vai saber sobre a vida depois de mais velho ou na fase das grandes responsabilidades (ai, saudade da infância!), digo e repito: a gente aprende muito mais quando é criança.