
A placa enviada pela cidade portuguesa de Ponte de Lima ao Rio Grande do Sul, entregue ao Estado no final dos anos de 1980, foi instalada pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) no quilômetro 82,5km da RS-030, em Osório, na manhã desta terça-feira (10). O trabalho foi realizado exatamente uma semana depois da morte do empresário português João Martins de Lima, que esperou por 33 anos a instalação do presente. Ele foi o responsável por trazer da Europa a placa de granito de mais de 300 quilos.
Nascido em Ponte de Lima, João morou no Brasil desde os seus 20 anos e foi um dos incentivadores da mudança do nome da RS-030 para Rodovia Cristóvão Pereira de Abreu, o tropeiro português que desbravou os caminhos no Rio Grande do Sul no século 18. Cristóvão nasceu na mesma cidade de João e foi quem na época garantiu um fluxo constante e regular do comércio de gado e cavalos, entre as regiões Sul e Sudeste, designado “caminho tropeiro”. A partir do roteiro comercial iniciado por Cristóvão, núcleos populacionais foram se formando, como Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria.
Em 1986, depois de um trabalho que envolveu João Martins de Lima, o então governador Jair Soares denominou a RS-030 com o nome do tropeiro. A via faz ligação entre a Região Metropolitana de Porto Alegre e o Litoral Norte, cruzando Santo Antônio da Patrulha, uma das cidades nascidas a partir do trabalho de Cristóvão.
Na época, João estava em Portugal e ficou entusiasmado com a alteração do nome da rodovia. Junto com o reitor de uma universidade portuguesa, o empresário conseguiu apoio do governo português para a produção de uma placa de granito representando a amizade entre os dois povos. Foi ele o responsável por trazer o presente até o Estado.
Por anos, a placa ficou guardada na Casa de Portugal. No vaivém de indecisões de onde e como ela seria instalada, acabou indo parar num depósito do Daer, em Osório. E de lá, nunca mais saiu. Anualmente, João e a filha dele, a enfermeira Ana Cláudia Martins de Lima, visitavam o depósito para conferir se a placa seguia lá. A última visita ocorreu no início de 2020.
Em 22 de abril deste ano, GZH publicou a história da longa espera. Na data, a direção do Daer informou em nota que, ao tomar conhecimento da situação via reportagem, passou a apurar os motivos pelos quais o processo de instalação da placa na ERS-030 não teve prosseguimento desde a sua entrega à autarquia. A direção informou também que havia emitido uma determinação para que fosse confeccionado o material de suporte da placa, dentro dos parâmetros técnicos necessários, visando à instalação o mais breve possível.

Internado desde 9 de abril no Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre, João estava com 96 anos. Ele soube pela família que a reportagem estava sendo produzida. No hospital, ainda comentou com a filha sobre a longa espera por um desfecho do caso. Uma semana depois de ser internado, ele foi transferido para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) da instituição e faleceu em 3 de maio, vítima de insuficiência cardíaca.
Em casa, João mantinha numa parede todos os documentos ligados à doação e à instalação da placa em terras gaúchas: do Diário Oficial de março de 1986, com a publicação do novo nome da rodovia, a um documento assinado por um engenheiro do Daer, em setembro de 2000, indicando a liberação do local para a instalação da placa no km 93, à margem direita da pista, distante 12 metros do acostamento, no sentido Osório-Tramandaí.

Ao tomar conhecimento, via reportagem, de que a placa finalmente havia sido instalada, Ana Cláudia não conteve a emoção.
— Ver esta placa instalada é a realização de um sonho. Algo que meu pai tanto almejou em vida. Agora, uma semana após sua partida, tenho certeza que ele está comemorando de onde estiver. Sinto que ele não possa ter visto presencialmente, pois nós, como família, vimos o esforço incansável dele para que esta instalação fosse realizada. Agora, o povo gaúcho é contemplado com esta linda homenagem do povo português, e nós ficamos com uma bela lembrança do nosso pai. Ele, certamente, exibiria a placa aos quatro cantos, pois entendia a importância e o significado dela. Que possamos honrar a memória dele e comemorar este presente que é vê-la instalada - desabafou a filha.
Questionada pela reportagem, via assessoria de imprensa, sobre o motivo da espera de décadas pela instalação, a direção do Daer não deu retorno.