Padre Pedro Gilberto Gomes
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos
A voz do povo um dia já dizia que “quem conta um conto aumenta um ponto”, ou seja, aquele que relata ou repete um fato o faz acrescentando algum detalhe imaginário ao acontecido, ou uma pitada geradora de desconfianças ou deboche. Sem dúvida, isso hoje ainda vigora nas nossas narrativas, pois é algo quase que da natureza humana; mas agora, já com um aspecto de ingenuidade diante das modernas assim chamadas fake news. Não mais apenas se aumenta um ponto.
Vive-se um presente que nos deixa perplexos diante de tensões de origem geopolítica, das migrações e dos migrantes enjeitados, do racismo, dos fundamentalismos, da intolerância, das incertezas em relação à democracia, do terrorismo, do aquecimento global. Que futuro nos aguarda? De qualquer modo, hoje todos esses problemas que a humanidade enfrenta conjugam-se para formar campo fértil para as imposturas, para disseminação de informações falsas, que fazem surgir o que eu chamaria de Pinóquio Eletrônico, que medra profusamente. Torna-se fácil para um suprematista racial lançar na rede eletrônica de comunicação um meme detratando, digamos, determinada etnia, como será banal a uma militância política fanática editar um áudio de vídeo modificando o conteúdo da fala de alguém que é adversário de seu campo político, assim como para um grupo terrorista produzir um vídeo de notícia falsa que coloque em pânico uma região.
As fake news, manipulações ou “invenções” de informações lançadas por alguém visando a obter algum tipo vantagem – financeira, política, posicional – ou para denigrir a imagem de outrem, são hoje as mentiras que dão vida ao fictício Pinóquio, numa versão baseada nas mídias eletrônicas, o Pinóquio Eletrônico.
Sabe-se que um indivíduo com um simples celular na mão é capaz de produzir conteúdo em rede com o mundo todo. Como estamos em um tempo em que é possível manter anonímia na rede, as pessoas podem se crer libertas do compromisso com a verdade. Época de hiperconectividade, transforma práticas, que num passado recente eram exclusivas do jornalismo, em algo que cada indivíduo, anonimamente se o desejar, pode “produzir” e veicular.
Aliás, a prática de manipular notícias e buscar escândalos existiu naquele passado na chamada imprensa marrom, mas havia certa limitação, porque as pessoas liam a informação exagerada ou tendenciosa e podiam discernir a extravagância ou unilateralidade inverídicas do noticiado. Hoje, entretanto, aquilo que sempre existiu é potencializado em uma sociedade hiperconectada.
É o domínio do Pinóquio Eletrônico. A mentira se alastra livre pelo tecido social. Segundo o enredo de As Aventuras de Pinóquio (1883), todos sabiam quando o menino personagem Pinóquio estava mentindo, pois, ao mentir, lhe crescia o nariz. O crescimento do nariz o denunciava. Hoje, na prevalência da mentira midiática, numa relação com aquele personagem, nariz grande tornou-se critério de normalidade. A anormalidade seria possuir um nariz pequeno. A mentira é sinal de normalidade, enquanto a verdade, a ética, a justiça, são consideradas fora do comum.
Assim como o boneco Pinóquio daquela história mágica almejava ser humano, os Pinóquios de hoje desejam convencer aos demais que são humanos e a sua conduta expressa um padrão de normalidade. E, como todos mentem, seus narizes são grandes e, na multidão de narigudos, privam do anonimato. O desafio é como identificá-los.