Após o protesto de parlamentares negros na cerimônia de posse de vereadores na Câmara Municipal de Porto Alegre, no primeiro dia de 2021, a discussão sobre o Hino Rio-Grandense ter ou não um trecho de cunho racista tem ganhado novas proporções. A mais recente envolve o anúncio do deputado estadual Luiz Fernando Mainardi (PT) de que vai protocolar um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para alterar o trecho em questão.
Na versão proposta pelo político, a única alteração é no verso "povo que não tem virtude acaba por ser escravo", que passaria a ser "povo que não tem virtude acaba por escravizar". A proposta é a mesma feita pela vereadora Laura Sito (PT), que, em 2017, ao assumir como suplente na Câmara Municipal da Capital, fez um pedido de indicação para que a Casa enviasse um documento para a Assembleia Legislativa (AL) sugerindo a mudança.
Isso porque, para modificar a letra, seria necessário um projeto de lei na AL. O pedido foi negado, na época, por um parecer feito pela vereadora Comandante Nádia (ex-MDB, atual DEM).
Agora, porém, com o projeto anunciado por Mainardi, uma eventual mudança no Hino Rio-Grandense fica mais próxima da realidade. Mas quais seriam os passos necessários para que a discussão seja levada adiante entre os deputados?
O primeiro passo é protocolar o projeto, o que só pode acontecer a partir de 1° de fevereiro, quando tem início a atividade legislativa dos deputados. Ao ser devidamente recebido pelo Legislativo estadual, o projeto de lei deve ser publicado no dia seguinte no Diário Oficial da AL. Então, 10 dias úteis devem se passar para o necessário cumprimento de pauta.
Após esse período, em que podem ingressar emendas ao projeto, o documento deve ir à Comissão de Constituição e Justiça da AL, na qual são analisadas sua legalidade, a conformidade com os princípios e normas do direito, e sua consonalidade, ou seja, se o que é proposto está de acordo com as atribuições dos deputados estaduais.
Um parecer deve então ser produzido pela Comissão de Constituição e Justiça. Caso seja favorável à continuidade do projeto, ele deve ser enviado à Superintendência Legislativa, que analisa as próximas comissões em que o projeto deve ser discutido – o que aconteceria de maneira consecutiva em cada comissão, não simultânea. No caso do projeto de alteração em um verso do hino, a Comissão de Educação e Cultura provavelmente ficaria responsável por uma análise, mas outras também podem ser incluídas.
Todo esse processo levaria meses até a discussão e votação em plenário, pelo trâmite legislativo normal. Caso o projeto seja votado, a aprovação teria de se dar por maioria simples dos deputados estaduais.
Respeito ao hino
Em 4 de janeiro, a vereadora Mônica Leal (PP) apresentou um projeto de lei que inclui, no regimento interno da Câmara Municipal de Porto Alegre, a obrigatoriedade de "postar-se de pé e em posição de respeito durante a execução do Hino Nacional e do Hino do Estado do Rio Grande do Sul".
Na justificativa, a vereadora argumenta que todas as pessoas, especialmente os parlamentares, como representantes da população que são, devem guardar posição de respeito durante a execução do hino.
Já existe uma lei no Estado que determina "atitude de respeito" da população quando o hino do Rio Grande do Sul é tocado. Em seu artigo 27, a lei 5.213, de 5 de janeiro de 1966, decreta que "na execução do Hino é obrigatória a atitude de respeito; os militares farão continência regulamentar e os civis ficarão descobertos, eretos e silenciosos".
História do hino
Com letra de Francisco Pinto da Fontoura, música do comendador maestro Joaquim José de Mendanha e harmonização de Antônio Corte Real, a versão atual do hino é de 1933, sendo esta a sua terceira adaptação. A primeira edição é de 1838.
A letra atual, porém, sofreu uma alteração em 1966, quando foi oficializada como Hino Farroupilha ou Hino Rio-Grandense, por força da mesma lei 5.213/66. Na ocasião, foi suprimida a segunda estrofe, com os versos "Entre nós, reviva Atenas, para assombro dos tiranos. Sejamos gregos na glória, e na virtude, romanos", sob o argumento de que havia termos descontextualizados em relação à cultura gaúcha e muitas pessoas, não vendo conexão com o Estado, deixavam de cantá-lo.
O passo a passo necessário para mudar o hino
- Apresentação de um projeto de lei na Assembleia Legislativa
- Protocolo do projeto e publicação no Diário Oficial da Assembleia
- Cumprimento de pauta por 10 dias úteis, período em que o projeto pode receber emendas
- Análise da legalidade do projeto pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
- Produção de parecer pela CCJ
- Em caso de parecer favorável, o documento deve ser enviado à Superintendência Legislativa
- A Superintendência Legislativa analisa em que comissões o projeto deve ser discutido
- No caso de uma alteração no hino, a Comissão de Educação e Cultura provavelmente ficaria responsável, mas outras também podem ser incluídas
- Após as discussões nas comissões, o projeto seria levado a plenário e votado
- Uma maioria simples dos votos dos deputados poderia aprovar a alteração no hino
Confira a letra atual do hino gaúcho:
Como a aurora precursora
Do farol da divindade
Foi o Vinte de Setembro
O precursor da liberdade
Mostremos valor, constância
esta ímpia e injusta guerra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra
De modelo a toda terra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra
Mas não basta, pra ser livre,
Ser forte aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo
Mostremos valor, constância
Nesta ímpia e injusta guerra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra
De modelo a toda terra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra