Por Caroline Damazio
Psicóloga, mestranda em Saúde Coletiva, coordenadora da Associação Cultural de Mulheres Negras (ACMUN)
Vinte de novembro, após uma votação histórica em Porto Alegre, quatro mulheres negras e um homem negro eleitos para compor a Câmara de Vereadores, e uma dessas mulheres recebeu a maior quantidade de votos entre todos os candidatos. A sociedade ganha muito com essa composição, mulheres negras desafiando a lógica estrutural racista, saltando da base da pirâmide da social, onde recebem os menores salários, as piores condições de vida, para o legislativo municipal. É uma vitória do movimento negro. E a promessa de um futuro que contemple a diversidade étnica nos espaços de poder.
Vinte de novembro é a data alusiva ao aniversário de morte de um grande líder da luta nacional do movimento negro, Zumbi. Líder do Quilombo dos Palmares, que, junto a mulheres e homens negros, dedicou a vida e a morte resistindo à escravização sofrida pela população negra. Contextualizar a data e apresentar Zumbi é exercer o respeito que toda a sociedade deve ter a esse líder quilombola, é praticar uma frase há muito anunciada pelo movimento negro: “Nossos passos vêm de longe”. Entender a ancestralidade como ponto de partida para os avanços que hoje presenciamos é necessário para dar seguimento à luta.
Nesse sentido saudamos também Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva e Antônio Carlos Côrtes, pois comemorar o Dia da Consciência Negra homenageando a data de despedida de Zumbi, partiu da resistência desses homens negros, gaúchos, que, ao perceberem o povo negro como protagonista de sua luta, não mais viam sentido em entender o 13 de maio (abolição da escravização) como algo a ser comemorado, já que, mesmo após a abolição, as condições de vida da população negra não dialogavam com nenhum projeto de liberdade. O 20 de novembro é a data que legitima, que contempla a resistência do movimento negro.
A potência dessa data, para além da homenagem, é refletirmos sobre as condições de vida da população negra, revisitando histórias inspiradoras como as de Zumbi, Dandara, Abdias Nascimento, Marielle Franco e outras e outros que tiveram implicação nos processos de melhorias para a sociedade, em busca da diminuição da desigualdade racial e social. Recorrer a essas memórias, com algumas vitórias traçadas, é estratégia psicológica coletiva de fortalecimento e inspiração no caminho da igualdade.
Uma das conquistas mais significativas protagonizadas pelo movimento negro nos últimos anos foram as cotas raciais implantadas nas universidades públicas do país. Além do acesso ao Ensino Superior, as cotas compreendem o processo de representatividade, possibilitando a formação de diferentes profissionais negros para estarem inseridos nas mais variadas instituições de nossa sociedade. Além disso, a presença de negras e negros nas instituições de educação potencializa e qualifica a discussão acerca da temática racial e social nos espaços (nada sobre nós sem nós).
A implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra corresponde a outro avanço do movimento negro, política esta que tem como marca o reconhecimento do racismo como determinante social das condições de saúde. Diminuir as iniquidades em saúde é também dar passos para um novo modelo de sociedade, com maior sensibilidade às especificidades de saúde que cada pessoa apresenta.
Recorrer às memórias, com algumas vitórias traçadas, é estratégia psicológica coletiva de fortalecimento e inspiração no caminho da igualdade.
No ano de 2020, antes mesmo dessa votação histórica da Câmara Municipal da Capital, alguns avanços foram e estão sendo construídos, como, por exemplo, uma maior conscientização de toda a sociedade no que tange ao racismo estrutural de nosso país. As relações raciais ganharam destaque em diversos meios de comunicação, em diferentes espaços acadêmicos e nas redes sociais.
O movimento #BlackLivesMatter uniu a voz de negras e negros do mundo todo, e, embora seja resultado de um acontecimento violento e inaceitável contra a vida de um homem negro, trouxe à tona a necessidade da desnaturalização dos processos de violência contra a população negra, legitimados pelo Estado.
Olhar para o que foi feito por homens e mulheres negras em busca de um país que devolvesse a dignidade e a humanidade ao seu povo é incentivo para a luta que permanece em nosso dia a dia, nas relações interpessoais, nas relações institucionais e estruturais. Entender os processos históricos e culturais que mantêm o poder hegemônico é fundamental para romper com essa estrutura e viver a diversidade em sua completude em todos os espaços.