Correção: nesta reportagem, Márcio Rodrigues afirma ser “pai de primeira viagem”. Na verdade, segundo informações de familiares confirmadas por Márcio, ele também é pai de um menino de 13 anos, fruto de um relacionamento anterior. “Não sabia que a reportagem era exclusiva a primeiro filho, achei que era o primeiro filho do casal”, disse Márcio. O texto não foi modificado.
Envolto num macacão de ursinho, com as mãos e os pés cobertos por pequenas luvas e meias brancas de tricô na mesma cor da touca, José França Freitas Rodrigues mantinha os olhos fechados e a respiração tranquila enquanto era afagado pelo comerciante Márcio Rodrigues, 40 anos, na manhã de terça-feira (6), no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Nascido oito horas antes, o menino parecia já estar se acostumando ao colo meio desajeitado do pai de primeira viagem.
— O pai tá aqui, José. Papai tá aqui — dizia baixinho Rodrigues próximo ao ouvido do pequeno, que respondia com caretas e sons.
Ainda emocionado com a cena presenciada naquela madrugada, quando acompanhou o parto da mulher, a advogada Cândida França Freitas, 32 anos, Rodrigues garantia que, ao ver o rosto do filho, a própria vida ganhou novo sentido. Admitia ter sido encantamento à primeira vista.
— Logo que nasceu, primeiro, foi para o colo da mãe. Em seguida, quando agarrei ele, veio uma alegria muito grande. Me apaixonei. Não tem nada igual ao amor a uma vida. É um sentimento maravilhoso — comentou à reportagem, horas depois do nascimento.
Embora a gravidez estivesse diretamente ligada ao corpo de Cândida, Rodrigues assegura que a experiência da gestação foi compartilhada. Casados há 10 anos, eles não tinham planejado ser pai e mãe. A notícia da vinda do primeiro filho, porém, fez o comerciante se acostumar aos poucos com a ideia de ter uma criança em casa. O nervosismo, confessa, foi contido para manter a tranquilidade da própria mulher. Moradores de Taquari, os dois mudaram as rotinas à espera de José.
— A gente, marinheiros de primeira viagem, não entendia nada sobre bebês. Fui pesquisar no Google para ver como cuidar de uma criança. Também ouvi os parentes mais velhos —conta Rodrigues.
Segundo o médico psiquiatra clínico e psicoterapeuta Alexandre Schmidt, pai de primeira viagem de Bernardo, de dois anos, quanto mais o pai estiver envolvido no processo de gestação, mais vivências e alterações emocionais ele poderá experienciar.
— Desde sentimentos de expectativa, ansiedade, insegurança, até sentimentos de abandono. Mas a principal mudança relacionada a esta experiência é um aumento da capacidade empática, de te colocar no lugar do outro, de viver a experiência sobre o prisma de outra pessoa. E o nascimento é o grande momento, o pai passa a ter o contato físico direto com o seu filho ou filha e naturalmente ali ele pode experimentar a emoção de ter gerado um ser concretamente — explica.
A principal mudança relacionada a esta experiência é um aumento da capacidade empática, de te colocar no lugar do outro, de viver a experiência sobre o prisma de outra pessoa. E o nascimento é o grande momento, o pai passa a ter o contato físico direto com o seu filho ou filha e naturalmente ali ele pode experimentar a emoção de ter gerado um ser concretamente.
ALEXANDRE SCHMIDT
PSIQUIATRA CLÍNICO E PSICOTERAPEUTA
No segundo mês da gestação de Candida, Rodrigues não conteve o choro ao ouvir o coração do menino. Depois daquele dia, fez questão de acompanhar todos os exames mensais em Porto Alegre para seguir escutando o filho ainda na barrida de Cândida. As primeiras conversas com José começaram ao longo da gestação. Cada vez mais entusiasmados com o aumento da família, os dois passaram a seguir blogueiras grávidas e sites de decoração de quarto infantil. Juntos, projetaram o quarto do filho, o pintaram de azul e branco e o decoraram. Antes de completar sete meses, todas as roupas já tinham sido compradas e a mala para o parto, praticamente, finalizada.
Curiosamente, foi acompanhando a rotina da gravidez da blogueira Gabi Brante, mulher do cantor Saulo, que veio a inspiração para o nome da criança.
— Começamos a acompanhar toda a gestação deles para ver como funcionava. E ajudou para termos uma noção. O filhinho dela se chama José. Achamos muito bonito este nome, a criança é muito bonitinha e engraçadinha. Então, decidimos dar o mesmo nome — confessa o pai.
Cândida completa que já sabia o nome do bebê desde a descoberta do sexo dele. Evangélico, o casal também pretendia prestar uma homenagem ao pai de Jesus.
— Conheci a história de José aqui na Terra e me encantei pela generosidade, pelo ser humano e pela história do pai que ele foi — justifica a mãe.
Rodrigues aproveitou também para aprender mais sobre as etapas durante o trabalho de parto e o momento de "dar a luz". Queria estar pronto para manter a calma quando precisasse percorrer os 100km entre Taquari e Porto Alegre a tempo de a mulher ter o filho do casal no hospital planejado.
José nasceu quase 20 dias antes do previsto. Apesar do susto com o rompimento da bolsa no início da madrugada, o casal teve tempo de pegar a mala do filho e fazer o trajeto em 1h30min, acompanhados da mãe de Cândida. Foi o momento de maior tensão, segundo eles. O parto ocorreu às 4h30min e foi acompanhado pelo comerciante. Por volta das 6h30min, mãe, pai e filho já estavam reunidos no quarto.
Oito horas depois do nascimento de José, Rodrigues já fazia planos para a família. Como perdeu o pai aos 11 anos, ele promete ser ainda mais presente para o filho:
— Quando chegar em casa vai ser só alegria. Vou ajudar a dar banho, a trocar fraldinha e nos afazeres do dia. Como perdi meu pai cedo, quero poder suprir para o meu filho. Quero ser um amigo e ensinar coisas boas para ele.
E, desde a ida para casa, na quinta-feira passada, tem sido só alegria, confirmam os pais, apesar de José ter trocado a noite pelo dia nas primeiras 24 horas. A mudança causou preocupação ao casal. A mãe de Cândida, Karina França, é quem os auxilia mais de perto.
Insones, os dois se revezam nos carinhos ao filho. Na chegada da reportagem à casa da família, no início da tarde de sexta-feira, José chorava sem parar. Cândida tentava amamentá-lo, e Rodrigues o acariciava. Depois do comentário do repórter fotográfico Mateus Bruxel sobre fotógrafos especializados em ensaios newborn que usam aplicativos com sons para acalmarem o bebê, Rodrigues baixou imediatamente um deles. O aplicativo reproduzia o som do ventre, conhecido como ruído branco. Em poucos minutos, José foi se acalmando. Agarrou um dos dedos do pai e se aconchegou no colo dele, que apenas sorria. Naquele momento de silêncio, Rodrigues confidenciou baixinho ao ouvido do bebê:
— Papai estará sempre aqui, meu filho.