A 67ª edição do Congresso Tradicionalista vai decidir, neste sábado (12), em São Borja, quem estará no comando da entidade que congrega todos os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). Concorrem à presidência do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) o atual mandatário, Nairo Callegaro, já há três anos no posto, e a vice-presidente de Administração e Finanças, Elenir Winck, primeira mulher na história a disputar o cargo. Confira as entrevistas com eles:
Elenir Winck, primeira mulher na disputa pela presidência do MTG-RS
A mulher sempre se destacou na história do RS, mas não na liderança"
Professora aposentada, Elenir Winck trabalhou por 38 anos como educadora em Panambi, tanto dando aulas quanto assumindo cargos de direção escolar e a secretaria de educação do município. Aposentou-se em 2005, mas seguiu trabalhando até 2016. O tradicionalismo está presente na sua vida desde a infância, na maior parte da vida como um hobby – levado muito a sério por ela e a família. A partir de 2014, Elenir decidiu também atuar em funções administrativas dentro do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e, desde então, assumiu como conselheira, vice-presidente de Cultura e vice-presidente de Administração e Finanças.
Nesta entrevista, concedida por telefone, a primeira mulher a se candidatar à presidência do MTG revela o que a motiva a disputar o cargo, como ela vê a participação feminina no tradicionalismo e o que o movimento precisa fazer para manter e ampliar sua participação na sociedade gaúcha.
Por que disputar a presidência do MTG?
Quando assumimos, em 2014, como equipe, tínhamos acordado que daquele grupo sempre sairia o próximo presidente. Um presidente (Manoelito Carlos Savaris) assumiu em 2014, por dois anos, então o próximo (Nairo Callegaro), e depois chegaria a minha vez. Ao longo dessa trajetória, eu vim me preparando. Tanto que mudei da vice-presidência de Cultura para a vice-presidência de Administração e Finanças, até para adquirir mais conhecimento para vir a assumir a presidência do MTG. Vim em uma preparação de muitos anos, até que chegou este momento de colocar meu nome à disposição de todos os tradicionalistas do Rio Grande.
Qual a importância de ser a primeira mulher a concorrer ao cargo?
Muitas vezes a gente é questionada: "Uma mulher coordenar o Movimento Tradicionalista Gaúcho?". Mas tenho um pensamento assim: nós sempre trabalhamos em conjunto, lado a lado, homens e mulheres. Então, entendo que é a vez de uma mulher também assumir o movimento e ter junto homens para auxiliar. A mulher sempre se destacou dentro da nossa história do Rio Grande do Sul. Os homens iam para as guerras e quem ficava comandando a estância eram as mulheres. Sempre tivemos um papel importante. Mas não muito com destaque, à frente, de liderança.
Isso tem mudado?
Nossa sociedade, como um todo, vem crescendo. Temos mulheres desde pedreiras até presidente, juízas. Por que não termos também no MTG uma mulher à frente? Nossa sociedade vem evoluindo para esse caminho. Não diferenciando que um é melhor que o outro. Temos que trabalhar juntos. E juntos vamos conseguir realizar um grande trabalho tanto na sociedade quanto no tradicionalismo.
Existe machismo no tradicionalismo?
Nosso movimento iniciou apenas com homens, e demorou para ter a participação da mulher. Em 2019, vamos comemorar os 70 anos da inserção da mulher no movimento. Talvez essa demora é que deixou essa questão do machismo. E a parte campeira antes era só o homem que lidava. Mas hoje não, hoje temos excelentes laçadoras, que praticam a rédea ou qualquer atividade campeira. A mulher vem crescendo. Temos patroas de entidades, temos coordenadoras regionais, conselheiras, vice-presidentes. Vem em uma crescente a inserção da mulher no movimento.
No que o movimento tradicionalista precisa avançar?
A cultura gaúcha é um bem imaterial. Esse legado vem dos nossos antepassados e temos de cultivá-lo, cultuar esses atos, esses costumes. Por amor e paixão. Para liderar o movimento, precisamos de amor, respeito, exemplo e humildade. Isto é essencial para o movimento avançar e crescer mais: a humanização. Entendemos que é o momento de mudança, precisamos de um olhar um pouco diferenciado, e a mulher tem uma visão diferente, com sensibilidade maior.
Como fazer isso?
Precisamos aprimorar e incluir cada vez mais o tradicionalismo na sociedade e no mercado assim como ele é. Temos que dizer: o tradicionalismo é assim e temos que incluí-lo. Mas não podemos desconsiderar as mudanças pelas quais a sociedade vem passando. Estamos em constante mudança, e devemos evoluir. O movimento tradicionalista deve se inserir cada vez mais na sociedade: nós devemos estar ao lado da força da juventude, estabelecendo sempre um equilíbrio com o que ela almeja, mas com os limites impostos pela ideologia tradicionalista. Isso tudo está na nossa carta de princípios.
Nairo Callegaro, atual presidente, busca o quarto mandato no MTG-RS
O que nós temos que fazer hoje é uma revolução social"
À frente do cargo de presidente do MTG há três mandatos, Nairo Callegaro destoa um pouco dos comandantes do movimento que o antecederam: assumiu o cargo sem um histórico militar, sem estar aposentado – ele ainda mantém suas atividades como engenheiro civil – e sem estar casado no momento da posse. Uma quebra da tradição? Não para Nairo, defensor de que o movimento precisa estar mais ligado à atual sociedade gaúcha, mas sem deixar de lado o tradicionalismo.
Da sala da presidência do Movimento Tradicionalista Gaúcho, devidamente pilchado em meio a um calor de mais de 30º C em Porto Alegre, Nairo diz acreditar que o tradicionalismo não pode ficar parado no tempo: ele deseja uma abertura maior do movimento, com mais participação da sociedade, mesmo daqueles sem vínculos tradicionalistas. Patrão de CTG aos 19 anos, secretário-geral do MTG aos 20 anos e envolvido no movimento tradicionalista desde a infância em Santo Ângelo, Nairo concedeu a seguinte entrevista a ZH:
Por que concorrer a um quarto mandato à frente do MTG?
Não é por motivação pessoal. Nunca planejei na minha vida ser presidente do MTG. É a motivação de um trabalho que a gente está desenvolvendo, do que vários companheiros que apoiaram a gente pediram: coordenadores regionais, conselheiros do MTG, ex-presidentes, conselheiros beneméritos do MTG, que me ligaram pelo trabalho (realizado), pela forma como a gente tem conduzido o movimento. Que pediram para que a gente continuasse por mais um ano.
O que é destaque na sua gestão?
O movimento hoje está passando por uma transição. Tenho feito coisas boas, errado em outras, o que é normal no ser humano. As mudanças que se estabelecem são mudanças que te tiram muito da zona de conforto: tu mexe com algumas coisas que estão acomodadas, blindadas durante anos. Fiz um editorial uma vez que rendeu uma polêmica muito grande, chamo de "editorial da caverna". Fiz uma analogia à caverna do Platão, que rendeu uma grande discussão, profunda. Mexi em algumas coisas que alguém me disse: "Olha, tu como presidente não deveria escrever isso". E eu escrevi. Acho que o movimento tem que estar maduro o suficiente para ouvir isso. Para ter a coragem e o discernimento de ultrapassar barreiras e descobrir um movimento melhor, mais humano, com menos interesses pessoais e de pequenos grupos que deixam o coletivo de lado e a maioria como simples espectadores.
Como equilibrar a tradição, marca do movimento, com a modernidade?
Me criticam, inclusive por esse editorial, por apresentar um "novo tradicionalismo". Mas o que eu aprendi com os meus pais, com meus avós, é o tradicionalismo antigo. O tradicionalismo agora tem que sofrer algumas mudanças. Ele se perdeu. O próprio MTG tem dois vieses: existe a questão da instituição que tem entidades filiadas e precisa salvaguardar todo o legado, toda a pesquisa (do povo gaúcho). E existe a vontade de virar a chave do movimento. Estamos torcendo uma chave, e estamos na metade. Se vencermos a eleição, vamos virar a chave totalmente e mostrar que existe um movimento diferente, plural, horizontal, que oportuniza da mesma maneira (para todos).
Qual o papel do movimento nos dias de hoje?
O que nós temos que fazer hoje é uma revolução social. De inclusão dentro da sociedade, de entendimento, que a sociedade não nos enxergue pilchados por aí e seja uma forma de repelir: pelo contrário, que aproxime as pessoas para elas entenderem o movimento. De se aproximar do jovem, que está em formação.
Qual a participação do jovem no MTG, e como isso tem sido tratado na sua gestão?
Eu enfrentei muitas resistências. Mesmo aqueles que eram jovens e não se atreviam a bater contra a diretoria do MTG hoje criticam algumas coisas. E eu louvo isso. Acho isso super importante, porque demonstra uma liberdade de expressão que às vezes o movimento não permitia. Isso é uma questão que as pessoas às vezes não se apercebem: tu te apropriar da possibilidade de ter um pensamento livre, mas construtivo, que venha a agregar, enxergar o movimento de uma maneira diferente, para o futuro. São coisas que dependem muito de quem está conduzindo o movimento. A estrutura de organização do movimento vai andar por si só, mas a essência que a sociedade precisa é da conscientização para fazer uma transformação nesse processo todo. Não perder as origens do movimento, o legado que Paixão Côrtes, que Barbosa Lessa nos deixaram.
O que é preciso mudar?
Existem várias coisas em que é preciso trazer a contribuição da sociedade para dentro do movimento. Porque isso vai trazer uma visão sem comprometimento, e aí vai haver uma contribuição efetiva dentro da população. Eu não posso criar um mundinho para mim e dizer que só "esses" podem circular aqui. Não: posso trazer pessoas de fora, que vão dar uma bela contribuição. Se o movimento não conseguir fazer essa leitura, ele vai continuar existindo, claro. Mas vai continuar fechado.