O sacrifício de animais em rituais religiosos é constitucional. A afirmação é do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, relator de uma ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul que questiona uma lei estadual que não obriga os cultos de matriz africana a seguir as restrições do Código Estadual de Proteção aos Animais. Segundo o jornal O Globo, em seu voto, na quinta-feira (9), o ministro reforçou que a norma deve valer para todas as religiões e que a constitucionalidade desses sacrifícios está condicionada à ausência de maus-tratos e ao consumo da carne. O ministro Edson Facchin também votou a favor da prática.
"Revela-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso de animais aniquilando o exercício do direito de liberdade de crença de determinados grupos quando diariamente a população consome carnes de várias espécies. Existem situações nas quais o abate surge constitucionalmente admissível, como no estado de necessidade, para autodefesa ou para fins de alimentação. O sacrifício de animais é aceitável se, afastados os maus-tratos no abate, a carne for direcionada para consumo humano", disse Marco Aurélio.
"Dou parcial provimento ao recurso extraordinário (do Ministério Público gaúcho) conferindo à lei interpretação conforme a Constituição Federal para assentar a constitucionalidade do sacrifício de animais em ritos religiosos de qualquer natureza, vedada a prática de maus-tratos e condicionado o abate ao consumo da carne", completou.
Na tribuna do STF, o promotor Alexandre Saltz, representante do MP, destacou que animais não podem ser considerados "coisas" e lembrou que o STJ já teve de analisar uma disputa de guarda de um cachorro na separação de um casal.
"Morte desnecessária é tratamento cruel. O Ministério Público respeita todas as religiões, especialmente as de matriz africanas. O julgamento não busca enfrentar uma seita perigosa, uma linha religiosa. Não! O que buscamos é que o Supremo Tribunal Federal, cumprindo seu papel constitucional, dê a solução ética e moral adequada ao caso. Nós entendemos que a resposta esperada, desejada é a do provimento do recurso com a declaração da inconstitucionalidade da nossa lei para reconhecer que o puro e simples abate de animal para ritual religioso é uma prática cruel" ressaltou Saltz.
O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, do Ministério Público Federal (MPF), foi contra a posição do Ministério Público gaúcho. "Para quem acredita em Deus o que há em comum é que essa crença é indissociável de sua própria entidade. A pessoa só é pessoa na permanência da crença de um deus consigo próprio. Sem a crença em Deus, a pessoa perde a sua própria substância e vira animal como outros. Essa matéria revela racismo institucional", rebateu.
Os representantes do governo e da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul defenderam a lei, entre eles o procurador-geral da Assembleia Fernando Baptista Bolzoni:
"Com exceção de integrantes de movimentos como o abolicionismo animal, ninguém questiona o direito do ser humano de abater animais destinados para sua própria alimentação e inclusive de outros animais. Nenhum gaúcho tem drama de consciência com o churrasco de domingo".
Entidades que reúnem adeptos de cultos de origem africana também defenderam a lei.
— Parece que a vida de galinha de macumba vale mais. É assim que coisa de preto é tratada no Brasil. Vida de preto não tem valor nenhum. Mas a galinha da religião de preto, essa vida tem que ser radicalmente protegida — argumentou Hédio Silva Junior, advogado da União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil.
Já Francisco Carlos Rosas Giardina, advogado do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, foi contra a lei gaúcha. "Em dias que antecedem sextas-feiras 13, ou dias em que haja mudança de lua, somos obrigados a impedir qualquer doação de gatos brancos ou pretos porque eles são objeto de sacrifício. Não pelas religiões que ocupam a tribuna, mas em rituais de magia negra" disse ele.
De acordo com o jornal O Globo, o julgamento vale apenas para a lei gaúcha, mas aponta o entendimento dos ministros sobre o tema. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e não há previsão de quando será retomado.