Por Samir Machado de Machado
Escritor, autor de "Homens Elegantes" e "Quatro Soldados"
A piada é recorrente: se plástico é feito de petróleo, e petróleo é combustível fóssil, então o dinossauro de plástico é feito de dinossauros? Poucas coisas simbolizam mais nosso tempo que essa fusão: uma criatura descoberta pela ciência, que substituiu dragões e grifos mitológicos na nossa imaginação, e o plástico maleável e indestrutível, avanço industrial que ameaça o ecossistema, arauto de nosso próprio risco de extinção.
Um dos nossos motivos de fascínio pelos dinossauros é que, mesmo sua existência sendo inquestionável como fato científico, para conceber sua aparência é sempre necessário um esforço de imaginação, fazendo deles um apelo à nossa capacidade criativa e desejo universal do homem por narrativas. E qualquer adulto que já tenha visto o efeito de assombro que causa nas crianças (ou em si mesmo, caso não tenha perdido a capacidade de imaginar) é testemunha disso.
Foi no século 19 que aqueles ossos encontrados no mundo todo deixaram de ser atribuídos a gigantes bíblicos e seres mitológicos, mas mal se passaram cem anos desde que entraram de vez na cultura popular – quando Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, povoou um platô na Amazônia brasileira com eles, atiçando a imaginação do século. Como já disse Erico Verissimo: "Povoavam meus sonhos de criança plesiossauros, dinossauros, pterodáctilos e outros, e foi Conan Doyle que com seu O Mundo Perdido fez que – sendo eu já adulto – meu interesse por aqueles monstros pré-históricos revivesse".
Erico sabia do que falava: seu livro infantojuvenil Viagem à Aurora do Mundo foi o primeiro na literatura brasileira a trazer dinossauros na trama, acompanhados de vistosas ilustrações à bico de pena do alemão Ernst Zeuner. Seu livro trazia um escritor convidado à um casarão na serra fluminense, onde um grupo de gênios montara uma tela de cristal, precursora do televisor, capaz de sintonizar além do tempo. Acompanhado de música clássica tocada no órgão do casarão, assistem na tela ao desfile de criaturas pré-históricas. Curiosamente, em 1941, dois anos depois de lançar seu livro, Erico viajou para os EUA a convite como parte da política de boas vizinhanças da II Guerra Mundial e, visitando estúdios de Walt Disney, assistiu em primeira mão à projeção de Fantasia – quando dinossauros passeavam pela tela ao som de música clássica.
O que um imaginou, outro realizou. Não se pode dizer se viu nisso a ironia da coincidência, mas previu (com acerto) que o filme de Disney se tornaria um clássico, e no prefácio da segunda edição de seu livro, lembrou: "Quando me pilhei sentado diante da máquina de escrever, em meio de algumas dezenas de livros sobre a pré-História, procurando tirar deles elementos para uma fantasia novelesca em torno de monstros antediluvianos, cheguei de novo à conclusão de que, mais tarde ou mais cedo, o homem acaba satisfazendo os caprichos de menino...".
Nossos caprichos de infância seguem sendo regularmente satisfeitos pelo cinema. Com a estreia, nesta semana, de Jurassic World: Reino Ameaçado, novo filme da série Jurassic Park, a dinossauromania se mantém viva desde quando, ainda na década de 1920, a imprensa viu os testes de efeitos especiais da adaptação de O Mundo Perdido sem saber que era um filme de ficção, e cogitou que fossem dinossauros reais.
Mas, se os dinossauros não avianos estiveram aqui antes de nós – vide os fósseis do estauricossauro ("lagarto cruzeiro do sul") encontrado em Santa Maria, ou o bagualossauro ("lagarto bagual") recém-descoberto no município de Agudo –, não é preciso ir ao cinema para vê-los. Basta abrir a janela e teremos dinossauros avianos cantando nas arvores, enquanto comemos seus ovos todo dia. Ou como resumiu Augusto Monterroso no seu famoso microconto: "Quando acordei, o dinossauro ainda estava lá".
Para ler os dinossauros
O Mundo Perdido, de Arthur Conan Doyle
Primeira obra com dinossauros na literatura, os coloca habitando um platô na Amazônia brasileira.
Viagem à Aurora do Mundo, de Erico Verissimo
Escrito em 1939, uma viagem didática no tempo pela pré-história.
Contos de Dinossauros, de Ray Bradbury
Fora de catálogo mas encontrável em sebos, reúne de contos clássicos do mestre da ficção científica, como O Som do Trovão.
Jurassic Park, de Michael Crichton
Livro que deu origem ao filme de Steven Spielberg, trazendo clonagem e engenharia genética para a cultura pop.