A decisão da Apple de atender ao pedido das autoridades chinesas de eliminar os aplicativos que permitem escapar da censura oficial ilustra bem o dilema que as empresas de tecnologia americanas enfrentam para trabalhar na China.
A fabricante do iPhone é a última grande empresa do Vale do Silício a abrir mão dos direitos humanos e da liberdade de expressão, frente à decisão do governo chinês de controlar e vigiar a internet.
Recentemente, a Apple retirou dos dispositivos vendidos na China, por pressão das autoridades do país, aplicativos que permitiam se conectar a redes privadas virtuais (serviços de VPN), levando a protestos de organizações e ativistas de direitos humanos.
– Nós preferíamos não tirar os aplicativos, mas, como em outros países, nós observamos as leis locais e achamos que estarmos presentes nestes mercados, oferecendo vantagens aos clientes, é o maior interesse das pessoas lá e em outros lugares – afirmou Tim Cook, presidente da Apple, após o anúncio da decisão.
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– Esperamos que com o tempo se flexibilizem as restrições impostas, já que a inovação precisa de liberdade para colaborar e comunicar, e sei que isso é muito importante na China– opinou Cook.
– Existe a sensação de que a geração dos millenials espera realmente que as empresas sejam mais ativas para proteger os direitos das pessoas e a liberdade de expressão. Contudo, ainda não há ligação evidente entre a retórica e os hábitos de consumo – explicou à AFP o analista Rob Enderle, do Enderle Group.
Há anos internautas chineses tentam driblar "a grande muralha" informática que censura a web - proibindo especialmente Facebook e Twitter – utilizando serviços de VPN. Desde janeiro, desenvolvedores precisam de licenças do governo para poder oferecer serviços deste tipo, o que levou à decisão da Apple.
A China tem milhões de usuários de smartphones e representa um mercado fundamental para a companhia americana.
– Se outras empresas seguirem o exemplo da Apple, os chineses teriam o acesso a informação online rapidamente dificultado – disse a Anistia Internacional em seu blog.
– As empresas têm a responsabilidade de respeitar as normas internacionais sobre direitos humanos, e esperávamos uma tomada de posição mais segura da parte da Apple, uma empresa que se vangloria por respeitar a vida privada – completou a Anistia.
Sob pressão
– Realmente, não era a decisão que eles queriam tomar, e não acho que puderam fazer muita coisa – avaliou Enderle, destacando que a Apple estava num momento difícil na China.
Segundo seus resultados financeiros publicados na última semana, o volume de negócios da Apple na China foi de 8 bilhões de dólares entre abril e junho (-9,5% ante o mesmo período de 2016).
– Se a Apple protestasse demais contra as leis chinesas, poderia ter sido expulsa. Mas se a China levar o sistema de censura longe demais, vai ter que enfrentar o descontentamento de suas próprias elites – alertaram os analistas Eva Galperin e Amul Kalia, da Electronic Frontier Foundation (EFF).
A Apple não é o primeiro gigante tecnológico americano a se submeter às autoridades chinesas. Há dez anos, a Yahoo pediu desculpas depois de acatar os pedidos de Pequim para identificar militantes de direitos humanos que usavam seus serviços de mensagens digitais.
A Microsoft também está presente na China há décadas, e se adaptou sem protestos às normas vigentes. Mas há sete anos a Google retirou seu motor de buscas da China continental para protestar contra a censura e as ingerências na vida pessoal dos usuários.
– A Google resistiu e foi embora, mas agora não conta para nada na China – disse Enderle.
A decisão da Apple de eliminar os aplicativos VPN poderia beneficiar a Google e seu sistema operacional Android, mais aberto.