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Comentários de pessoas indignadas inundam a página da Prefeitura de Porto Alegre desde domingo. Eles exigem que uma atitude seja tomada em relação ao médico Milton Simon Pires, 56 anos, que ofendeu a colega de profissão Júlia Rocha, do Rio. Especialista em clínica médica e cardiologia, Milton é vinculado à Secretária Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS).
Em publicações sobre assuntos com nenhuma relação, como feiras de adoção de animais, monumentos históricos revitalizados, vagas de emprego e volta às aulas na rede municipal, mensagens pedindo que a prefeitura se posicione ganham destaque e recebem dezenas de mensagens de apoio. Em muitas, Milton é chamado de "racista". Outras dizem que a prefeitura é "conivente" com as ofensas do médico.
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O episódio entre Milton e Júlia Rocha, 33 anos, ocorreu após um terceiro médico, Guilherme Capel Pasca, debochar, pessoalmente e depois na internet, de um paciente. A piada do médico de São Paulo com os termos "peleumonia" e "raôxis", usados por um homem que não tem o ensino fundamental completo, repercutiu no Brasil inteiro e ganhou ainda mais força quando Júlia, médica da Medicina de Família e Comunidade do Rio, postou no Facebook um texto exaltando a fala do povo brasileiro.
A postagem da médica recebeu milhares de curtidas e foi elogiada, mas causou a ira de Milton Simon Pires. Também no Facebook, ele chamou a colega de "entidade", "aberração" e "bandida petista". Comentários vindos de diferentes cantos do país condenando a atitude do médico gaúcho fizeram a Secretaria Municipal de Saúde emitir uma nota de repúdio contra as ofensas. O texto foi divulgado no Facebook, mas apagado em seguida.
Nesta quarta-feira, o órgão enviou nova nota à imprensa informando que a Procuradoria Geral do Município (PGR) estava analisando quais medidas poderiam ser tomadas em relação à postura do servidor público. Sem denúncia formal de Júlia, faltaria consistência em qualquer ação do poder público.
Segundo funcionários da Secretaria Municipal de Saúde que preferiram não se identificar, o receio de que Milton entre na Justiça contra o município alegando perseguição é a razão da cautela e inclusive do recuo da pasta ao retirar a nota de repúdio.
Por não se adaptar ao atendimento nas unidades de saúde da Capital, Milton está sob licença remunerada desde janeiro.
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Passado de ataques
Várias denúncias contra Milton envolvendo ataques na internet ainda estão sendo investigadas. Uma ocorrência registrada na 14ª Delegacia de Porto Alegre em outubro de 2014 acusava o médico de agredir fisicamente uma colega no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), onde ele trabalhou por quatro anos e meio na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em janeiro de 2015, três meses após o episódio, o médico foi afastado do hospital.
Advogado de Milton, Leudo Costa afirma que o cliente irá recorrer caso a médica do Rio formalize uma denúncia. O argumento seria que Júlia Rocha é uma "militante" e também faz ataques com teor ideológico nas redes sociais.
– Nós colhemos tudo o que ela publicou. Vamos mostrar para o juiz que ela não tem tanta credibilidade. Ela é uma militante social – apontou o advogado.
Em relação às ofensas de teor racista feitas contra Júlia, Leudo diz que a médica esconde as origens.
– Ela esconde a cor, ela fica loura. É uma negra que esconde a cor – comentou.
Sobre o impasse que terminou na demissão de Milton do Grupo Hospitalar Conceição, Leudo informou que o processo criminal provou que não houve agressão e que o cliente foi "linchado ideologicamente" dentro do hospital.
– Foi uma questão de Estado. Quem demitiu foi a Dilma e o PCdoB. Pode botar isso que eu assumo – disse.
Leudo diz que Milton vai pedir reabertura do processo que resultou em sua demissão. O argumento é que ele sofreu perseguição política por funcionários do hospital.
Médica vai reagir
Numa crítica velada ao deboche do médico paulista que disse não existir "peleumonia", o texto de Júlia imitando a linguagem popular do brasileiro teve mais de 150 mil curtidas e 70 mil compartilhamentos.
A repercussão positiva, porém, não suavizou o baque que ela sentiu ao ler, no domingo, dia 31, os xingamentos de Milton e de outras pessoas. Júlia teve que encarar críticas feitas a seu cabelo crespo e um comentário específico de um rapaz dizendo que "médicos da família, como ela, tiravam piolho de mendigo".
Dias após a polêmica, o mal estar ainda permanece.
– A sensação é que levei um murro no estômago – confessa a médica.
Apesar de agredida, Júliaevita fazer críticas a Milton. Ela diz que não pode decifrar o que se passava na cabeça do colega.
– Não tenho condições de julgar as práticas dos colegas. Eu acredito numa prática humanizada, onde o médico tem capacidade de entender as pessoas – observa.
Ela garantiu ter acionado advogados e que uma denúncia contra Milton será formalizada.