O ator, comediante e youtuber Felipe Neto virou um dos fenômenos da internet brasileira em 2010 após lançar o canal Não Faz Sentido, em que destila comentários irônicos sobre diversos assuntos e personalidades. No Twitter e no YouTube, o carioca de 28 anos soma 9 milhões de seguidores.
Fora do mundo digital, Felipe já teve dois programas de TV no canal a cabo Multishow e estrelou um quadro no Esporte Espetacular, da Rede Globo. Nos últimos anos, tinha deixado de lado a produção de vídeos para fundar a Paramaker, maior network brasileira de canais no YouTube. A empresa, que gerencia mais de 5 mil canais, foi vendida para uma multinacional francesa de entretenimento para que Felipe retomasse o que mais gosta de fazer: atuar.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, ele fala sobre a influência que exerce junto a crianças, adolescentes e jovens ("Eu tenho uma responsabilidade por conta da idade do público que me assiste, mas defendo muito fortemente que o entretenimento não tem função socioeducativa"), sobre os limites do humor ("Não tem obrigação de ser inclusivo, fazer com que o preconceito seja diminuído"), sobre o YouTube, as redes sociais, haters, política – de tudo um pouco, sem papas na língua, como é sua característica.
No vídeo abaixo, Felipe Neto relembra suas brincadeiras de criança e compara com as atuais:
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Você começou a fazer sucesso na internet, em 2010, com o chamado vlog, uma espécie de diário em vídeo que tecia opiniões sobre tudo. Qual a tendência da internet hoje?
A tendência mudou drasticamente de 2010 pra cá. Naquela época, a novidade era a crítica, o argumento, a ausência de estar em cima do muro. Acho que se deu porque, ao longo de muito tempo, o entretenimento brasileiro nunca se posicionou. Muito em função de um monopólio do entretenimento que existiu por vários anos, época em que o entretenimento não tinha de correr muitos riscos porque já existia uma audiência fixa. Quando o YouTube trouxe essa mudança, explodiram os canais que traziam crítica: eu, PC Siqueira, Cauê Moura, Kéfera. Hoje, o cenário mudou. O jovem, de maneira geral, procura um conteúdo de mais diversão, mais comédia. Esse é o momento dos vídeos de humor, não dos vlogs de crítica. Eu mesmo estou me adaptando a essa realidade. Estou fazendo vídeos mais leves, voltados para fazer rir. Os canais que são um grande sucesso hoje são voltados pra isso. A tendência atualmente varia entre canais de games, um mercado que não para de crescer, e o conteúdo voltado para fazer rir sem compromisso com crítica e opinião.
Teu público, majoritariamente, é jovem. Tu tens milhões de seguidores. Te preocupas com a forma como influencias essa geração?
Eu tenho uma responsabilidade por conta da idade do público que assiste aos meus vídeos, mas defendo muito fortemente que o entretenimento não tem função socioeducativa. A obrigação de educar o jovem é dos pais, e eu não tenho qualquer obrigação de ensinar para esse jovem o que é certo ou errado. A minha obrigação é criar o conteúdo em que acredito, que me faz feliz. Se esse conteúdo vai ter palavrão ou ser politicamente incorreto, realmente não penso se vou estar educando alguém com o que estou falando. Sei que carrego uma responsabilidade, e tenho algumas regras que gosto de praticar. Por exemplo, não incentivar consumo de álcool, tabagismo e drogas. Existem youtubers que fazem vídeos bêbados. O entretenimento não tem que ter função de educar, cabe aos pais saber ao que o filho assiste e passar para ele o que é certo e errado. No Brasil, as pessoas gostam muito de encontrar culpados. Muitos pais terceirizam a responsabilidade da educação. Não são as ditas “influências” que educam os filhos, são os pais que falharam. Eu já passei muito por isso ao longo da minha carreira, pessoas que tentam me responsabilizar pelo filho que fala palavrão. Isso é absurdo.
Mas tu não achas que o jovem de hoje aprende muita coisa na internet? Não achas que o YouTube virou um canal de educação?
Acho que o YouTube é um canal de informação. Existe uma diferença muito grande entre informação e educação. Quem tem que educar são os pais. Informar antes era papel da escola, agora a internet tem um papel importante nesse processo. O que defendo é que ninguém tome o que eu falo como uma verdade absoluta. O que eu falo é verdade pra mim e, mesmo assim, eu já mudei de opinião sobre tanta coisa nesses últimos anos. Prego que as pessoas vejam mais coisas, leiam mais, procurem mais informação para que possam chegar às próprias conclusões. O entretenimento não pode se preocupar com educação. É nesse momento em que se acaba com o entretenimento. Se você observar a TV, o cinema e a internet em países como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos, você vai ver um descomprometimento absoluto do entretenimento com educação. Você vai ver piadas, humoristas, seriados que tocam em todos os assuntos. Nos EUA, tem seriado que mostra pornografia, que faz piada com terrorista e até que faz piada com judeu. O entretenimento tem que ser livre. É que nem quando levantaram recentemente a polêmica sobre o livro do Hitler, se deveria ser proibido. Isso é absurdo. Ou quando dizem que o entretenimento precisa ter limite. Quem vai definir esse limite? Pessoas em quem votamos? Não conseguem nem administrar verba pública e vão saber dizer qual o limite do entretenimento? No final, acontece a censura, uma bosta, um entretenimento que tem medo de dar opinião sobre assuntos polêmicos.
Tu achas que esses limites podem matar o humor e o entretenimento?
Acho que pessoas mal informadas e que querem responsabilizar o humor pelos problemas sociais estão matando o humor. Mas não acho que elas terão força suficiente para isso. Quando você coloca no entretenimento responsabilidade de funções sociais, como inclusão, igualdade de gênero, racismo e várias outras coisas, você coloca responsabilidade em algo que deveria ser leve e voltado para fazer rir de tudo. Fazer rir da condição humana, das diferenças, das igualdades. O humor tem que deixar o negro rir de si mesmo, o gay rir de si mesmo, a mulher rir de si mesma, o homem heterossexual rir de si mesmo. Ele não tem que ter responsabilidade inclusiva, fazer com que o preconceito seja diminuído. Isso fica para o debate, paras as questões sérias. O humor tem que fazer piada de tudo e poder fazer piada de tudo. E se em determinado momento ele deixa de ser engraçado para ser ofensivo, aí você reclama. Você tem todo o direito de reclamar, mas não peça para ser proibido.
Então achas correto fazer piada sobre negro, gay e mulher?
Eu defendo o direito de poder fazer uma piada seja qual for o assunto. Não acredito em colocar regras. Acho completamente nocivo. Dizer que o branco não pode fazer piada de negro? Assiste a shows do George Carlin, Ricky Gervais, vais ver genialidades ditas ali, e eles trafegam por temas muito polêmicos como racismo, homofobia, religião. Tem um show inteiro do Ricky Gervais baseado na Bíblia. Inclusive os religiosos que assistem ao show riem do início ao fim. Então quem vai dizer o que pode ou não? Quem vai criar essas regras? Políticos? Me desculpa, mas eu não confio em políticos. A sociedade como um todo? Beleza, mas se formos deixar a sociedade como um todo dizer o que pode e o que não pode, vemos o resultado: levanta-se uma bandeira para qualquer coisa que seja dita e no final o humorista tem que podar tudo o que fala. Acho absolutamente possível um humorista fazer uma piada que ofenda uma pessoa. Só que isso não pode ser usado para proibir que essas piadas sejam feitas. Isso é o que defendo.
Tu sempre dizes que a classe artística tem medo de se posicionar. Por isso te pergunto: qual a tua posição sobre a política brasileira?
Todas as notícias que lemos diariamente falam por si só. Sempre me posicionei contra o PT, desde as eleições de 2010. Não sou defensor do PSDB. Acho que o Brasil está em uma situação complicada. O PT foi a pior coisa que aconteceu no cenário político brasileiro nos últimos tempos. Não enxergo uma salvação no PSDB. Estamos em uma situação delicada porque temos de escolher quem a gente considera menos pior para governar, já sabendo que teremos problemas. Essa é a visão que tenho hoje. É uma visão pessimista. O Brasil está nas mãos de pessoas que não podem governar e está prestes a ir para as mãos de pessoas que não devem governar.
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A internet pode ajudar a mudar as coisas?
Anos atrás, as pessoas dependiam dos veículos tradicionais para ter informações. No atual contexto, essa informação é rapidamente espalhada. Um escândalo de corrupção pode ser lido em trezentas fontes diferentes para chegarmos a nossas próprias conclusões. A internet é demais, principalmente em termos de mobilização. Em 2013 (durante as manifestações), vimos o que a internet é capaz de mobilizar. Infelizmente, não deu em nada, elegemos as mesmas pessoas, mas foi um belo exemplo de como a internet pode levantar a insatisfação e fazer as pessoas demonstrarem a sua revolta.
Qual a tua opinião sobre os haters na internet?
O hater é o cara que ofende e xinga sem argumentar. Quando tachamos todo mundo de hater, passamos a condenar a crítica. O questionamento e a crítica devem ser sempre incentivados. O principal objetivo do hater é atacar sem ter conhecimento algum sobre a pessoa ou assunto. Muitos haters me atacaram quando eu publiquei meu livro, mas eles nem se prestaram a ler. Quando eu falei de Crepúsculo ou de 50 Tons de Cinza, eu li os livros. Essa é a grande diferença entre crítica e hater.
Por que as redes sociais afloram tanto os extremismos?
A rede social dá voz aos oprimidos. O ser humano, de maneira geral, tem grandes conflitos dentro dele, tem muita gente que guarda rancor dentro de si. Muitos que sofrem bullying também guardam raiva e encontram na internet a sua válvula de escape. Eu mesmo, quando entrei no YouTube, escrevia textos cheios de ódio porque tinha muita frustração e conflitos internos. Esses textos fizeram sucesso porque as pessoas se identificam com esse ódio. O anonimato também possibilita ao usuário falar o que bem entende e isso facilita esse extremismo.
Muitos conteúdos que são sucesso na web já foram transplantados para a televisão, mas grande parte deles não consegue manter o sucesso. O que dá certo na internet só serve para a internet?
A web tem uma linguagem, a TV tem outra. Pegar o produto de um para lançar exatamente igual no outro... Tem uma grande chance de não dar certo. Existem exceções de coisas da TV que viralizam na internet. A grande diferença entre os dois meios é quem dita as regras. Quem dita as regras do conteúdo na internet é o criador do conteúdo. Ninguém manda no meu canal, no que eu falo, não importa quanto dinheiro traga para me patrocinar. Na TV, quem manda é o anunciante. Quando você coloca o poder na mão do anunciante, ele não quer polêmica, ele quer a certeza de que não terá dor de cabeça. Quando isso é feito, o produto é prejudicado. Na TV, às vezes abaixo do anunciante, quem coordena é um executivo que passa as instruções para um diretor. É um longo caminho até o poder chegar na mão do artista. Esse é o problema da TV. Eu não estou dizendo que temos que nos livrar do anunciante ou dos executivos. Vou pegar o exemplo dos Estados Unidos. O que salva o entretenimento lá é a competição. Quando se tem 10 redes de televisão de grande porte disputando audiência, você tem diversidade e pode arriscar. Quem anuncia no desenho Family Guy sabe que ele faz piada com judeus. Essa liberdade é incrivel. Tu achas realmente que alguém chega para o roteirista do Family Guy e pede para cortar uma piada? Ninguém. Isso é o que considero entretenimento de qualidade. Quando os artistas podem tomar a decisão sobre sua criação. Falar o que quiserem, fazer piada com qualquer coisa. Isso foi o que a internet trouxe para o Brasil pela primeira vez. A TV brasileira ainda está a anos-luz disso. As emissoras, nestes últimos anos, estão vendo a queda progressiva de audiência e estão tentando mudar. O programa Tá no Ar, do Marcelo Adnet, que é meu amigo e considero um gênio, é a prova disso. É uma tentativa de colocar o poder na mão do artista.
Felipe Neto critica duramente o vídeo Delação, do Porta dos Fundos: