No ano passado, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foram abatidos legalmente no Brasil para consumo humano 5,4 bilhões de aves, 34,2 milhões de porcos, 24,8 milhões de bovinos e 64 mil ovinos.
Toda essa mortandade somada não teve nem de longe a repercussão do sacrifício de um cordeiro mamão de seis meses, passado na faca pelo apresentador Rodrigo Hilbert para fins de churrasco. O abate foi exibido na última quinta-feira, em horário nobre, pelo canal pago GNT.
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No episódio do programa de culinária Tempero de Família, o marido de Fernanda Lima vai a uma pequena propriedade rural, escolhe um filhote de ovelha, procede à sua degola e depois o eviscera e esquarteja, para preparar um assado rústico. Enquanto fatia os nacos, Hilbert comenta para as câmeras que o cordeiro era tão macio que parecia um sofá. As cenas, consideradas chocantes por muitos telespectadores, geraram comentários de tempero nada familiar.
Xingado e vilipendiado, Hilbert virou um dos assuntos mais populares das redes sociais nos últimos dias. Na segunda-feira, acabou por divulgar um pedido de "desculpas verdadeiras" a quem se sentiu ofendido: "Retiraremos as imagens em questão do episódio. Vou levar isso tudo como um aprendizado. Ao mostrar o abate do animal em uma pequena fazenda, eu acreditava estar chamando a atenção para se conhecer a procedência dos alimentos, para se entender como é a cadeia produtiva do que consumimos. No entanto, qual não foi a minha surpresa ao perceber que, ao invés de passar uma mensagem de conscientização sobre o que comemos, vi surgir o ódio de muitos por mim", escreveu o galã.
Chef Alex Atala foi aplaudido ao matar galinha no palco
Além de motivar críticas ao apresentador, ao programa e ao canal, o episódio também desencadeou uma acalorada discussão ética. Diante das multidões que se declaravam escandalizadas pelo sangue a escorrer da faca de Hilbert, muitos lançaram um dedo acusador: "Então vocês não sabiam que a carne que comem vem de um animal que teve de ser morto?", questionavam.
O abate em rede nacional se insere em uma tendência em alta no meio gourmet. A chef Clarice Chwartzmann, que comanda o projeto A Churrasqueira, lembra que o renomado chef Alex Atala já foi aplaudido por matar e depenar uma galinha no palco de um grande evento gastronômico. Clarice afirma que, pessoalmente, prefere trabalhar com a carne já processada, mas tece elogios a Hilbert:
– Ele fez um trabalho de esclarecimento, mostrando a origem do alimento e a forma como ele é trabalhado para chegar à mesa das pessoas. Está educando, mostrando que a carne que tu compras em um supermercado, que tu comes em um restaurante, teve um processo de abate. As pessoas que se interessam por gastronomia e cozinha gostam de ver isso, porque querem aprender. Quem não quer ver troca de canal. Acho que as pessoas estão muito intolerantes. Essa indignação deveria ser direcionada para outras coisas, como a violência com que a gente convive.
Veterinário diz que não se mata ovelhas tão jovens
Esse ponto de vista de que o abate praticado por Hilbert é revelador do processo pelo qual passa a carne antes de chegar à mesa do consumidor encontra um contraponto em representantes do setor pecuário e da indústria de frigoríficos. Eles argumentam que o apresentador de TV não seguiu as normas sanitárias que garantem a qualidade da carne ou os procedimentos técnicos que são exigidos para que o animal sacrificado não sinta dor.
O médico veterinário Edemundo Gressler, superintendente de registro genealógico da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos, coloca em dúvida outras opções feitas por Hilbert. Afirma que a ovelha escolhida pelo ator para seu assado não é das raças tradicionalmente preferidas para esse fim. Também critica a seleção de um animal tão jovem – no programa, Hilbert informa que o cordeiro ainda está na fase de aleitamento:
– No mercado oficial, de frigoríficos, não é usual abater animais em regime de amamentação. Não se abate animal tão jovem. Isso inclusive fere um pouquinho essa relação do homem com a ovelha. A gente vê nas imagens que a carcaça é pequena. Acho que, por isso, o pessoal se indignou. Ele pegou um cordeirinho e sacrificou. Afrontou o olhar das pessoas. Foi muito forte.
Borrego ou cordeiro?
O programa de Rodrigo Hilbert também gerou uma dúvida: o animal que ele matou era um cordeiro ou um borrego?
Segundo a Associação Brasileira de Criadores de Ovinos, a designação que se dá à ovelha varia conforme o tempo de vida: até oito meses, cordeiro; mais de oito meses até 18 meses, borrego; mais de 18 meses a 24 meses, ovino jovem; e mais de 24 meses: ovino adulto, carneiro ou capão.