O quarto do Hospital Santo Antônio já tinha até um pinheirinho para que o primeiro Natal de Luiza não estivesse totalmente desconectado da celebração que mobiliza as pessoas do lado de fora. Na antevéspera, a árvore decorada com fotos da paciente de seis meses mudou de lugar: foi levada de Porto Alegre para a casa da família, em São Leopoldo, ao final de mais de três meses de internação. Na noite da última quinta-feira, nos braços da mãe, Daiani Dias, 35 anos, a menina conheceu o Papai Noel, ganhou roupas e brinquedos de presente e esteve rodeada por tios, avós e padrinhos, que nos momentos mais delicados chegaram a desacreditar que o bebê conseguiria sobreviver.
Zero Hora contou a história de Daiani e Luiza na reportagem especial "Nasce uma Mãe", publicada em agosto. Contrariando previsões médicas - problemas de saúde na infância haviam impossibilitado uma gestação, alegavam especialistas - e depois de sofrer dois abortos, a dona de casa encarou uma gravidez de alto risco, sofrendo de diabetes e hipertensão. A suspeita de síndrome de Down detectada no início da gestação se confirmou logo após o nascimento da primogênita, em 15 de junho.
Diagnosticada com a Tetralogia de Fallot, uma má-formação cardíaca, Luiza teve de ser submetida a uma cirurgia, e graves complicações no pós-operatório prolongaram sua permanência no hospital. No dia 23, o quadro estável permitiu a liberação, condicionada ao uso de um suporte de oxigênio e alimentação por sonda.
- Mas ela está em casa - ressalta Daiani, feliz.
Reportagem especial: Nasce uma Mãe
Os piores dias foram enfrentados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Por quase um mês, Daiani não pôde segurar a filha no colo. O contato físico era limitado a um toque de mãos, e por vezes até a voz atrapalhava - a mãe era orientada a não falar para que a menina não se agitasse ao identificá-la. Inchada e sedada, com dezenas de fios conectados ao corpo, Luiza esteve irreconhecível.
- É uma mistura de sentimentos: impotência, medo, tudo de ruim - define Daiani, que testemunhou, ao redor, o desalento dos médicos diante de casos irrecuperáveis e a morte de mais de uma dezena de crianças. - Eu pensava: "Será que eu vou ser a próxima?" - recorda.
Com alterações marcantes no estado da filha registrados em intervalos de poucas horas, Daiani buscava amparo na área de convivência reservada aos pais. Conversavam, choravam e rezavam juntos, sem nem saber os nomes uns dos outros. Reconheciam-se como "a mãe da Luiza", "a mãe da Tainá", "a mãe do Samuel".
- Vi tudo de bom e tudo de ruim lá dentro. Todos os tipos de pais, todos os tipos de mães, todos os tipos de patologias - relata. - É uma escola de vida, meio cruel.
Nos quase cem dias em que conviveu com a ausência da mulher e da filha na residência do bairro Vicentina, o comerciário Everton Luis Gonçalves, 50 anos, habituou-se a dormir no sofá da sala - tentava se distrair com a TV, não suportava ocupar o quarto vazio. Os três agora se adaptam às novas demandas, o despertador tocando de madrugada para avisar que é hora da medicação.
Luiza está aprendendo a comer - ganhou uma papinha de cereal com leite na ceia de Natal com dois perus, um em homenagem a ela e outro ao primo Miguel, brincaram os adultos - e está tendo sessões domiciliares com fisioterapeuta e fonoaudióloga. A menina ainda poderá passar por mais uma cirurgia no coração e seguirá em acompanhamento para avaliação dos problemas na traqueia e nos pulmões que dificultam a respiração. Enquanto estiver bem, continuará em casa. Para o pai, o mais valioso ensinamento dos últimos meses se refere à fragilidade da vida.
- Sei que ainda virão tempos difíceis, mas ela já provou que é guerreira, tem uma vontade imensa de viver. E isso faz toda a diferença - garante Everton.
Noite feliz
Em casa, Daiani e Luiza celebram o Natal na companhia da família
Menina que teve história narrada em reportagem de Zero Hora sofreu complicações após cirurgia cardíaca e passou três meses no hospital
Larissa Roso
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