O toque do telefone às 5h e a notícia que a ligação trouxe, numa mistura de choro e gritos, imprimiriam com força a divisão entre a vida transcorrida até aquele momento e a que seria possível depois. Ao pressionar o botão aceitando o chamado, Liliane Severo Cardona foi golpeada pela informação que ela própria teria de reproduzir, inúmeras vezes dali por diante, disseminando o choque entre os familiares na escuridão daquele amanhecer de abril. Sozinha no apartamento onde criara os três filhos, a representante comercial distinguiu como interlocutor o caçula. Incapaz de articular qualquer explicação ou detalhamento, Leonardo sacudiu a mãe ainda sonolenta:
- Mataram o Gustavo.
Nos três anos decorridos desde o abalo, Liliane vem revisitando lembranças e circulando entre referências da presença constante do filho do meio, assassinado aos 30 anos, ao deixar a academia onde praticava musculação. O porta-retrato ao lado da cama, o vídeo de 37 segundos contendo o único registro restante da voz, a prancha de surfe exposta no quarto da mãe e o carro onde Gustavo foi alvejado reforçam, todos os dias, uma sensação recorrente entre aqueles que enfrentam a mais temida das perdas: filho nunca deixa de ser filho.
- Ele está sempre comigo - diz Liliane, 56 anos.
Durante um mês, ZH procurou mulheres que aceitassem contar histórias semelhantes - a exemplo da jornalista paulistana Camila Goytacaz, que acaba de lançar Até Breve, José, livro em que narra a expectativa pela chegada e a súbita morte do bebê que viveu apenas 11 dias. Mães que enterraram filhos únicos e optaram por não ter outros, mães que voltaram a encarar o desafio de uma gestação após sepultar o primeiro filho, mães que perderam filhos depois de longos períodos de convalescença, mães que, como Liliane, flagraram-se no estupor da morte repentina.
Filho é para sempre
Mães que perderam filhos contam como convivem com a ausência
Experiência do luto materno também é tema de livro lançado por jornalista paulistana que enfrentou a morte do bebê de 11 dias de vida
Larissa Roso
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