Dizem que de médico e louco todo mundo tem um pouco. Ou um muito, vai saber. Sempre achei muito difícil assumir minhas insanidades. Uma coisa é loucurinha do bem, outra bem diferente é aquela que você não consegue controlar.
Há quase quatro anos fui diagnosticada com Síndrome do Pânico. What a fuck?!? Eu, como assim? Tarja preta? Psiquiatra? Ansiolítico dentro da bolsa até para ir à padaria? Sim, meu amigo, tudo isso e mais um pouco. Tive um conturbadíssimo 2010: mudança de estado civil, lançamento do primeiro e sonhado livro, doença na família, morte na família, trabalho horrível. Sendo um pouco mais detalhista para você, que não conhece minha história, entender melhor o que aconteceu: meu avô enfartou vendo minha avó ter um AVC, saí da casa dos meus pais para morar junto com meu namorado, meus pais mudaram de cidade (e estado), minha ex-chefe era (e parece que continua sendo) uma pessoa completamente escrota, realizei um grande sonho, fiz 30 anos. Tudo isso me virou do avesso, sacudiu minhas estruturas e abalou meu funcionamento psíquico.
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Tive muitas perdas e alguns ganhos. Descobri que não sou invencível nem consigo controlar cada coisa que acontece na minha vida. Confesso que foi um baque descobrir que precisava de alguém até pra ficar dentro do banheiro enquanto eu tomava banho. Foi difícil aceitar que eu tinha limitações e que não podia ficar em ambientes cheios, barulhentos e muito escuros. Tive a fase do medo de elevador, do pavor de restaurante lotado, de evitar shows e cinema e até mesmo algumas notícias em telejornais e pessoas. Tive uns momentos de introspecção que me ensinaram demais sobre todas aquelas coisas que lutei durante anos para não ver. Tive que me aceitar do jeito que fiquei. E, olha, não foi fácil. Superei muita coisa, inclusive o meu preconceito com esse transtorno de ansiedade que afeta tantas e tantas e tantas (e tantas!) pessoas. Apesar de quase ter me formado em Psicologia, descobri que sou uma pessoa extremamente preconceituosa. Em muitas situações senti vergonha das minhas próprias sensações. Vergonha de chorar, de sentir as mãos suarem, de achar que ia morrer, de meu coração pular da boca, do corpo formigar inteiro, de pensar que ia enlouquecer, de perder a capacidade de lidar com meus problemas sozinha. O pânico é paralisante. É uma sensação que domina seu corpo, sua mente, sua alma. Te suga para um ciclo infinito de medo e pavor. Medo de ter nova crise, medo de morrer de medo, medo de ter um troço bem no meio da sala e só acharem seu corpo dias depois, já em decomposição. Medo do psiquiatra estar errado no diagnóstico. Medo de ter alguma doença terrível e sem cura. Medo, medo, medo. O pânico é medo.
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Achei que tinha me curado. E por achar que estava ótima parei de tomar remédio e de ir toda quarta-feira encontrar o psiquiatra para debater meu passado e meu presente. Só queria saber de imaginar o futuro, sem juntar minhas peças e arrumar todas as bagunças. E a coisa degringolou de uma maneira doída. No ano passado, em outubro, o monstro veio me assombrar novamente. Avassalador. Mas naquele momento decidi o seguinte: não nasci com isso, então vou conseguir me curar. Uns dizem que a cura total não existe, outros defendem a teoria de que tudo é possível, basta a gente querer. O poder da mente é algo fantástico, ela comanda tudo na nossa vida. Por incrível que pareça, se eu pudesse escolher juro que gostaria de ter esse monstro na minha vida. Ele me ensina todo dia que tenho que ser menos egoísta e orgulhosa, que preciso deixar o ego de lado, aprender a ser humilde, pedir ajuda, dizer "ei, eu preciso de você agora". Eu não sabia fazer nada disso, apesar de falar tanto sobre sentimentos e comportamento humano. Não conseguia chorar e colocar pra fora todas as angústias que acumulei ao longo da vida. Todos nós acumulamos pequenas dores e uma hora a coisa explode. Mas eu não me permitia surtar, explodir, vomitar. Guardava tudo nos meus arquivos secretos e trancava a gaveta. Com isso, fui me intoxicando. Até o dia em que tive minha primeira crise. Até o dia em que senti na pele o que é ter medo de verdade. Não desejo pra ninguém nada disso. E tenho a convicção de que só quem passou por uma situação dessas entende exatamente o que estou falando.
Todos os dias agradeço por ter pessoas preciosas ao meu lado. São eles que seguram a minha mão e o meu coração quando preciso. Porque nem sempre é fácil e tudo bem: assumo a minha fraqueza sem vergonha. Cansei de empilhar as vergonhas dentro do meu guarda-roupa. De vez em quando penso que não vou aguentar, mas então surge uma força dentro de mim que lembra que nada é maior do que a gente consegue carregar. Hoje não tomo remédio nenhum, apenas faço terapia e acupuntura. Não tenho mais crises de pânico, somente crises de ansiedade e angústia. Tento dominá-las na medida do possível, às vezes consigo, outras não. Quando elas se tornam maiores que eu tomo um ansiolítico e procuro fazer algo para desviar o foco. Hoje deixei muitos medos para trás, porém novos medos estão hospedados no meu quarto de visitas. Medo de médicos, exames, medo que uma dor de cabeça seja um tumor no cérebro, medo que um formigamento na perna seja um problema grave de circulação, etc. Nunca penso que uma coisa simples é apenas uma coisa simples. Tudo é um exagero, complexo e gigante. Muitas pessoas adquirem, junto com o pânico, agorafobia ou depressão. No meu caso foi somente pânico mesmo. E hoje em dia, segundo meu terapeuta, já evoluímos, estou em um estágio chamado "delírios hipocondríacos", onde acho que sempre há uma doença grave me rondando. Logo, logo esses tais delírios virarão medos comuns. Espero que esse dia chegue logo. Também espero que você, que sofre de qualquer transtorno de ansiedade, não sinta vergonha ou receio de se expor. Sempre vai existir alguém com o mesmo problema e onde existe identificação existe automaticamente uma troca bonita. Que a gente aprenda a se conhecer e enfrentar nossos fantasmas. Sempre.
Coluna da Clarissa
O que a Síndrome do Pânico me ensinou
Clarissa Corrêa conta como recebeu o diagnóstico da doença e o que a ajudou a superar
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