Começa assim: um dia você está perfeitamente satisfeito com sua vida. No outro, você está navegando pela Wikipédia e pensa: espera aí, como ele veio parar aqui, exatamente? Ele é mesmo muito mais notável do que eu? Paul Jolley, que terminou em nono no "American Idol" na última temporada com a sua versão de "Eleanor Rigby" tem uma página aqui. Fala sério!
Você não inveja as páginas dos proeminentes, notórios ou desconhecidos que contribuíram muito para nossa sociedade (estou vendo sua página, George de Mestral, inventor do velcro), mas quando começa a ver que seus colegas têm páginas e você não? Páginas que você sabe muito bem que foram apresentadas por seus cônjuges ou mães, já que a Wikipédia nos proíbe de escrever sobre nós mesmos - você começa a ficar meio chateado. E com "você" eu quis dizer "eu".
Na manhã de dezembro em que eu chequei, havia 4.399.610 artigos sobre várias pessoas na Wikipédia. Eu estava determinada a ser a 4.399.611. (Aliás, isso só em inglês. Em outros idiomas, tem mais milhões e milhões. Só em farsi, por exemplo, tem mais de 100 mil páginas).
Enfim, eu tinha um plano: meu colega de trabalho, Lewis, um grande fã do meu trabalho, tinha me implorado para escrever uma página sobre mim na Wikipédia. Talvez não tenha implorado. Ele ofereceu. Talvez ele tenha dito:
- Tudo bem, eu faço isso, só para de deixar recadinhos na minha tela.
Tanto faz. O que importa é que ele topou.
Garanti a ele que eu daria toda a informação de que ele precisasse e não interferiria durante o processo (até que eu descobri que ele tinha deixado de fora uma resenha de um livro de que fui coautora que dizia "o livro mais importante e valioso para o século até agora". "Tenha dó, Judith!", ele disse). Quer dizer, quão difícil podia ser? Eu tinha escrito para muitos lugares, tinha umas resenhas positivas. Eu ganhei um monte de prêmios. Alguns prêmios. Dois, contando o FiFi que recebi da Fragrance Foundation para escrever o que a federação considerou a melhor matéria sobre perfumes de 1993.
O que é isso? O FiFi é o Prêmio Man Booker do jornalismo de fragrâncias. Talvez eu possa até ter dito ao Lewis que ganhei um Prêmio Booker. Podemos acertar isso depois.
Esse é o detalhe maravilhoso e assustador da Wikipédia: ela ensina que a verdade é sempre um trabalho em andamento. A ideia era apenas utópica quando o cofundador da Wikipédia, Jimmy Wales, a lançou em 2001. Ele imaginou um banco de informações com vida própria em que qualquer pessoa com algum conhecimento pudesse contribuir, e onde a paixão por um determinado assunto fosse motivo suficiente para se colocar um apontamento. Sua avó erudita, seu acadêmico preferido, ou o adolescente de 16 anos escondido em seu porão. Não importa, conte-nos o que sabe e depois prove.
Os três princípios dos artigos da Wikipédia são "nenhuma pesquisa original", "ponto de vista neutro" e "verificabilidade" - termos que, por si mesmos, estão abertos à discussão. Não obstante, o País de Gales queria transformar em realidade as palavras de Charles Van Doren, um dos editores da Enciclopédia Britânica, que escreveu em um ensaio em 1962: "Como o mundo é radicalmente novo, a enciclopédia ideal também devia ser radical. Devia deixar de ser segura - na política, na filosofia, na ciência". (Ele também esteve envolvido em um escândalo de um programa de perguntas no final de 1950. Está na Wikipédia, pode procurar).
A Wikipédia tem grande interesse em manter a cultura do respeito e do decoro, mas dá para sentir que esse esforço muitas vezes é relutante, e quando o decoro acaba, sempre sobra aquela agressividade passiva para se retomar. Meu comentário favorito é da página de Ted Cruz, senador do Texas, pois os editores estão lutando ferozmente com o fato de Cruz ser canadense e não poder concorrer à presidência:
- Ai, esqueci que você perdeu as estribeiras. Desculpe por tê-lo provocado de novo.
Contudo, talvez, a maior batalha de todas travada pela Wikipédia não é com questões triviais, mas simplesmente com a pergunta final: eu mereço? Quem decide isso? E estou me apresentando adequadamente para a posteridade da internet?
Se há algum consenso sobre alguma questão, dentro e fora da Wikipédia, é de que a relação homens-mulheres entre editores e administradores da Wikipédia - de 85% a 90% deles são homens - cria um preconceito de gênero, disse Maia Weinstock, diretora de notícias do BrainPOP e usuária da Wikipédia que tem sido fundamental na conscientização sobre esse desequilíbrio.
Muitos dos editores e administradores do sexo masculino não são o que chamaríamos de "Os caras da nova era da sensibilidade". Praticamente todo mundo com que conversei para esta reportagem observou que os usuários da Wikipédia são o tipo de pessoas que se dedicam a tarefas repetitivas, que têm um fascínio agressivo e implacável por minúcias e procuras peculiares. (Duvida? Confira o número de páginas dedicadas aos trens).
Então, não é surpresa que uma indústria caseira tenha surgido: A "Wikipedia Whisperers", pessoas físicas e jurídicas que, por algumas centenas a vários milhares de dólares vão criar e administrar (ou seja, proteger como um rottweiler de mudanças indesejáveis) páginas da Wikipédia. Antes de decidir que sou pão-dura demais para pagar para alguém fazer o que eu podia obrigar um amigo a fazer, conversei com vários consultores sobre minhas chances de fazer jus ao site - ninguém me desencorajou, mas também não me encorajaram.
- Não é nada pessoal, mas talvez você não tenha presença online suficiente para entrar nessa. Não é suficiente ter escrito muitas histórias e alguns livros. Você tem que ser objeto de fontes independentes de terceiros", disse Michael French, presidente executivo da Wiki-PR, uma empresa dedicada à criação e gestão de páginas.
Então, espera aí, resenhas não contam? Fatos de colunas de fofocas em que pessoas famosas gritaram comigo não contam? O cobiçado FiFi não conta?
- Hum, ainda não pesquisei isso com cuidado, então, a resposta é talvez - French disse.
French e sua empresa têm estado nos jornais ultimamente, acusados de "sockpuppet", que a Wikipedia define como a criação de identidades on-line para fins fraudulentos. Basicamente, ele usa um monte de pessoas com identidades diferentes para editar e gerir páginas para clientes pagantes. Os fantoches pagos estão prontos para editar publicações que não condizem com a visão do cliente. No entanto, quando um cliente quiser que sua página não seja descartada pelos patrulheiros de página da Wikipédia, que estão à procura não só de mentiras mas também de reviravoltas notórias, esse cliente vai prestar atenção de French e seguir suas orientações.
Mas, então, por que a empresa dele teve problemas?
- A Wikipédia é, historicamente, muito anticomercial, e nós somos a maior empresa a cobrar por consultoria, e por isso viramos um alvo. Não há uma política oficial contra isso, mas a ideia de termos editores pagos é muito divisionista dentro da Wikipédia. Se você parar para pensar, não é de se estranhar: há milhares de voluntários que criam essas páginas, mas muitos deles com segundas intenções, sejam pagos ou não.
Em uma noite de terça-feira eu descobri que, apesar de ter sido usada como referência oito vezes na Wikipédia, a proposta de minha própria página tinha sido rejeitada pelo usuário StarryGrandma. Ele ou ela repreendeu o preguiçoso Lewis por "não proporcionar referências que corroborem as afirmações do artigo," e, em seguida, pede que "mostre que a autora é especial." Sério? Não sou tão importante quanto "Edward, the Blue Engine" - parte do elenco de apoio de "Thomas, the Tank Engine" - que tem a própria página? Quantos livros essa locomotiva antropomórfica escreveu? Quantos Fifi ele ganhou? E sabe o que realmente me irrita? Ele nem tem seu próprio programa.
Como funciona?
Nem todos podem ter um perfil na Wikipédia
A "Wikipedia Whisperers", integrada por pessoas físicas e jurídicas, é paga para criar e administrar páginas da maior enciclopédia online
GZH faz parte do The Trust Project