Se boa parte da experiência gastronômica está nos olhos, um restaurante em Berlim busca o contrário. Em uma sala completamente escura, onde celulares e outros objetos luminosos são proibidos e com um cardápio que dá dicas mas não entrega o que é a comida, o Unischt-Bar proporciona uma experiência para quem permitir se deixar surpreender pelo olfato e pelo paladar: é um lugar para comer sem os olhos.
Morei na Alemanha em diversas ocasiões. Já tinha ouvido falar no restaurante, mas foi só em maio de 2012, no fim de um período de dois meses de estágio no jornal Tagesspiegel, na capital, que reuni três amigos para conhecer o local. Ao chegar, os clientes são orientados a sentar no salão iluminado e recebem um cardápio. É possível optar por pratos vegetarianos, aves, bifes, pescados e o menu surpresa.
A escolha serve para que alguém que não come frango de jeito nenhum não vá embora desapontado, mas é só na saída que se saberá exatamente o que foi servido. Assim, o cardápio apenas brinca de dar dicas sobre os pratos: "peito imaculado com um vestido colorido de rainha decorado com uma fita da Itália" é a sugestão de ave deste mês.
Feita a escolha, o garçom conduz o grupo para o salão de jantar e se apresenta:
- Eu sou o Maike, vou acompanhar vocês. Façam uma fila indiana e segurem no ombro de quem estiver na frente.
Todos palpitam, e o jantar vira um divertido jogo de adivinhação
Maike, assim como todos os outros garçons do Unsicht-bar, é deficiente visual. Acostumado à escuridão desde que nasceu, não tem problema em nos guiar pela sala onde se ouve barulho de talheres e o zunzum das mesas. Mas não se vê nada, absolutamente nada. Ao auxiliar os clientes a sentar, Maike explica como tudo funciona:
- Na frente de vocês, estão os pratos. Pensem num relógio: às 12h está a colher de sobremesa, às 14h está o copo. O garfo e a faca às 9h e às 15h.
Comer no escuro é um pouco como voltar a ser criança e ter que aprender de novo. No caso da minha experiência, na primeira tentativa de pegar os copos, houve quase um desastre, e a mesa ficou lavada de refrigerante. Quando chegaram as entradas, acertar as garfadas nas folhas da salada era complicado. Mais difícil ainda era não enfiar o garfo no próprio rosto ao tentar comer. Parece um exagero, mas mesmo toda a comida já estando cortada ou em um tamanho fácil de pegar, justamente para evitar acidentes e facilitar a refeição, perde-se completamente o referencial quando não se vê nada.
Veio o prato principal, e ninguém sabia exatamente dizer que carne era aquela cortada em pedacinhos. A janta parecia um divertido jogo de adivinhação: cada um contava o que pegava e dava palpites sobre o que poderia ser. A sobremesa chegou, e eu não acertei a colher no copinho com musse de café e chocolate nenhuma vez. O lado bom? Até os mais apressadinhos são obrigados a comer devagar, com mais calma, calculando todos os movimentos. Em tempos de smartphones por todo lado, melhor ainda é jantar com amigos sem ninguém (uma vez sequer) olhar para o iPhone, fazer fotos para postar no Instagram ou simplesmente responder uma mensagem enquanto come. Se luzinhas piscarem em algum aparelho, o cliente, além de se assumir como inconveniente, será convidado a se retirar.
Na saída, antes de pagar, a moça do caixa entrega um folheto com a relação do que foi consumido. Eu comi salada com salmão e molho de maracujá e experimentei carne de veado, entre outras coisas. A brincadeira não sai por menos de 40 euros, incluídos bebida e serviço, mas, mais pela experiência que pela comida, é recomendável. Até de olhos fechados.
BREVE MANUAL DE ETIQUETA PARA UM JANTAR NO ESCURO
> Nem todos têm coordenação suficiente para comer sem se sujar. Evite ir com a sua melhor roupa ou de branco. Se o molho respingar, o lamento não será tão intenso.
> Decore o nome do garçom. Se precisar de ajuda com os utensílios ou tiver vontade de ir ao banheiro - iluminado, está localizado fora do salão de jantar -, vai ter que chamá-lo. Levantar o braço não vai funcionar.
> Evite movimentos bruscos, especialmente com as mãos - ou você pode terminar a noite melado, cortado ou espetado por um garfo do vizinho.
> Reserve pelo menos duas horas para a experiência. Você precisa se acostumar a comer de uma maneira completamente diferente daquela a que está habituado no dia a dia. Leva um certo tempo até se coordenar com os talheres, e não tem a mínima graça engolir a comida correndo.
> Uma refeição no Unsicht-bar não é a ideia mais apropriada para quem tem restrições alimentares. Não tem como saber o que vem nos menus e não vai ser possível catar, no prato, as cebolas ou qualquer outra coisa de que você não goste. Então, avalie se é o seu tipo de programa.
> Relaxe e aproveite. Converse com seus acompanhantes e tente adivinhar o que cada
um está comendo. Na saída, a revelação dos ingredientes de cada prato pode ser surpreendente.
UNSICHT-BAR
O restaurante tem filiais em Berlim e Colônia. É interessante fazer reserva antes
de ir. O preço de uma refeição varia entre 40 e 60 euros. Mais informações no site
www.unsicht-bar.com