Natalia Viana tem dado o que falar mundo afora. É jornalista nascida em São Paulo, formada pela PUC e que já foi repórter da revista Caros Amigos e até faxineira em Israel. Mas tudo pra manter o foco da sua vocação: repórter.
E é a parceira no Brasil do site mais comentando no mundo todo em 2011, o WikiLeaks, que revela documentos confidenciais especialmente ligados a tramoias políticas e corrupção. A parceria se dá por meio de uma ONG criada pela própria Natália, com as colegas Marina Amaral e Tatiana Merlino: a Pública, com sede em São Paulo, na Casa de Cultura Digital, outra iniciativa dos novos tempos do jornalismo.
Juliana Wosgrauss: Você é de uma geração que deu novo fôlego ao jornalismo investigativo no Brasil. Como se sente fazendo parte deste momento?
Natalia: Eu acho que o jornalismo - não só investigativo, mas o jornalismo em geral - está passando por uma fase de renascimento incrível. Os antigos modelos de produção estão em crise, ao mesmo tempo em que surgem milhares de iniciativas que rompem limites antes sagrados. É um momento de crescimento enorme, e de experimentação. Jornalismo independente, grassroots, ativista, diferentes modelos de investigações jornalísticas, cooperação transnacional... O fenômeno do WikiLeaks veio justamente neste momento, mostrando que é possível um empreendimento jornalístico em essência ser feito de maneira independente, alcançando enorme impacto. Este é um momento de experimentação e invenção do que será o jornalismo daqui pra frente.
Juliana Wosgrauss: A Casa de Cultura Digital vai além de ser o endereço do teu escritório?
Natalia: A Casa é um hub, onde diversas organizações dividem o espaço, trabalham juntas, compartilham conhecimento e trocam serviços. É também um espaço experimental porque cria laços entre as pessoas, e é uma nova maneira de troca que não é somente uma empresa contratando outra. E compartilhamos os mesmos valores, acreditamos no potencial transformador da internet e lutamos por transparência, democracia e cultura.
Qual a essência da ONG Pública?
Natalia: A Pública é o primeiro centro de jornalismo investigativo do Brasil. Não é um site, é uma ONG que se especializa em produzir reportagem. É como se fosse uma agência de notícias, só que não produz notícias, só reportagens. Temos reportagens de fôlego e de fundo sobre temas importantes, como a questão do Haiti e do Araguaia. O objetivo é produzir conteúdo de qualidade que será usado por outros veículos, seja de TV, rádio, internet, jornais, suprindo uma falta que hoje há para reportagens de fôlego. Sabemos que custa caro e leva tempo e paciência para fazer esse tipo de reportagem, então estamos trabalhando para produzir e distribuir esse conteúdo da maneira mais ampla possível. Qual o pensamento por trás disso? Simples: o bom jornalismo fortalece a democracia. Ele monitora os poderes - sejam governos, empresas, ONGs - e informa os cidadãos para que possam discutir melhor como seus governos deveriam agir.
Juliana: Como vê o futuro do WikiLeaks?
Natalia: Ele está em um momento bastante delicado, com a possível extradição do Julian para a Suécia, onde ele é acusado de crimes sexuais, e com um bloqueio financeiro feito pelas empresas Visa, Mastercard, PayPal e Bank of America, que aperta as finanças do grupo. Acredito que as possibilidades são tantas - e o pessoal do WikiLeaks sabe disso - que é muito precipitado dizer que o WikiLeaks vai acabar. A organização conquistou um espaço no jornalismo mundial, e a partir de agora vai trabalhar para manter e aperfeiçoá-lo. É importante entender que o WikiLeaks é uma organização dinâmica, em mudança permanente, como é a cara da economia de hoje: sem sede, país fixo, ou para funcionar. E vai se adaptando de acordo com o momento. É uma experiência riquíssima.
Por que deixou a revista Caros Amigos?
Natalia: Eu saí da Caros Amigos em 2006, quando ganhei uma bolsa para cursar mestrado em Londres. Nesta época eu já atuava como jornalista independente e via que esse era um espaço novo que estava surgindo. Como sou extremamente curiosa, esse mundo novo me intrigou muito. Fiquei cinco anos como jornalista independente, sem veículo nem patrão, até fundar a Pública, que é uma instituição que vai buscar maneiras de incentivar a produção investigativa independente. Eu vejo que está acontecendo com o jornalismo a mesma coisa que aconteceu com o mercado fonográfico: não é mais essencial ter um contrato com uma grande gravadora para ser um bom músico, e ter seu trabalho reconhecido. Hoje em dia um jornalista independente pode fazer o mesmo. E vai se destacar pela qualidade do trabalho e não necessariamente pelo veículo.
Juliana: E a sobrevivência com trabalho tão independente?
Natalia:Essa é uma das questões essenciais da Pública, e vem num momento em que os padrões de financiamento estão mudando. Hoje há muitas formas de financiar projetos jornalísticos, e estamos buscando ser um centro de referência nisso. Queremos ajudar jornalistas independentes a fazer o seu trabalho. Agora, é um processo longo... Para nós, a independência vem antes e acima de tudo.
Juliana: Alguma nova "bomba" jornalística a caminho?
Natalia: A Pública está com projetos em vista, ao mesmo tempo em que está se estruturando, formando equipe... Pode ficar tranquila que você vai ouvir falar de nós, sim.
Juliana: O que significa o jornalismo independente hoje?
Natalia: O repórter que tem a reportagem na veia tem como fazer investigações, tem como produzir. É um fato. Não deixaremos de fazer jornalismo, mesmo sem dinheiro, sem um veículo que banque ou sem estrutura. O repórter está condenado a fazer jornalismo - e hoje ele pode e vai continuar fazendo, mesmo que se tente silenciá-lo.