Winnie Ferreira
Publicitária, assistente de comunicação da Escola Politécnica, apresentadora e mestre de cerimônias na PUCRS
Este texto nasce do mais profundo amadorismo em termos de produção jornalística. Aqui vos fala uma publicitária recém-formada que teve seu primeiro contato com o jornalismo no penúltimo semestre da faculdade por meio de algumas disciplinas para complementar o currículo. Enfim, este texto não é sobre mim, mas sobre a coragem que tive para poder escrevê-lo, sem conhecimento mas inspirada por uma mulher que igualmente foi corajosa do início até o seu fim. Fim este apenas da matéria, porque o legado construído por meio de força, determinação e muita coragem será eterno.
Eu poderia discorrer em muitas linhas sobre a extensa trajetória da Glória Maria, com datas significativas, momentos históricos e marcantes, mas, hoje, a mídia está repleta desse tipo de conteúdo, nem sempre dimensionando seu poderio real para a comunidade negra. Por isso, este texto será sobre o sentimento de uma mulher negra que viu outra mulher negra quebrando barreiras na comunicação nacional.
No alto dos meus nove anos, lá pelos idos de 1996, quando já acompanhava os telejornais juntamente com a minha mãe, lembro de ver flashes de uma mulher negra na tela, de cabelos curtos e em posse de um microfone nas mãos. Minha mãe vinha da cozinha com seu pano de prato para vê-la na televisão da sala. Eu também parava a brincadeira para ver o que ela via – e era a Glória Maria. Na época, eu não imaginava o que se passava na cabeça da minha mãe, ali, parada, olhando uma mulher tão preta quanto ela e tão igual a mim. Hoje eu sei o que ela via, porque é igual ao que a Maju Coutinho via, ao que o Heraldo Pereira, a Zileide Silva, o Manoel Soares e tantos outros que vieram depois dela viam: uma possibilidade! E aqui estamos falando mesmo de possibilidades, e não, como gostaria de dizer, de oportunidades, porque essas, para pessoas negras, são escassas e muitas vezes condicionadas.
Glória Maria abriu passagem para que outros viessem ou fossem impulsionados a virem. Maria, como soube que ela gostava de ser chamada, carregou no nome simples a grandeza do seu ser. Maria foi a primeira mulher negra no jornalismo brasileiro e foi a única por muito tempo. Olhando seu percurso, podemos nos perguntar: como ela conseguiu? Eu gosto de pensar que ela conseguiu como muitos de nós, pessoas pretas, têm conseguido ou tentado algum lugar: insistindo. Carregando fardos por ser mulher e outros tantos mais pesados por ser negra de pele escura, ela se superou e manteve-se nesse ritmo até partir. Ícone televisivo, símbolo máximo de representação negra em horário nobre, que aliás, sempre combinou muito com a sua essência.
Maria me ensinou a estar no mundo, mesmo que este não me queira lá. A luta para ocupar espaços é infinita, e seguiremos daqui ampliando cada vez mais a porta que você nos abriu, Glória. Porque, através dessa porta, muitos passaram e outros ainda querem e vão passar. Se hoje meninas brincam com utensílios de cozinha, fazendo as vezes de microfone, apresentando a previsão do tempo ou programas de TV, se hoje vejo nos corredores da universidade meus colegas e amigos, pessoas pretas, na área do jornalismo, e se hoje escrevo um texto como este, é porque você, Glória, abriu a possibilidade para que isso acontecesse.
Maria nos deixa no dia de Yemanjá, a grande mãe das águas salgadas, dona do mar. Assim como o mar, na sua imensidão infinita, não poderia haver dia melhor para acolher pessoa ímpar e de igual significado.
Salve, Glória!