Não há nada mais fascinante para um jornalista do que a chance de entrevistar uma grande personalidade. A gente experimenta todos os limites técnicos, físicos e emocionais para colher a palavra de do personagem ilustre, ainda mais quando se trata de um ídolo nosso. Assim me deparei com a escala que, em 1993, me colocou em Buenos Aires para cobrir o amistoso entre Argentina e Brasil, comemorativo ao centenário da Associação de Futebol Argentino. Acima disto, porém, havia um fato maior: Diego Maradona estava de volta à seleção de seu país depois de uma suspensão por doping e de um banimento que obviamente não se perpetuou na equipe nacional.
Maradona era a grande estrela do clássico sul-americano. Os dirigentes da AFA programaram para a véspera da partida um grande banquete no Hotel Sheraton Retiro, um dos mais tradicionais da capital argentina. Claro que, entre autoridades nacionais e internacionais, ninguém era mais esperado do que Diego que deixou a concentração da seleção nacional para comparecer ao evento. O Brasil estava concentrado no mesmo hotel e, por isto, a imprensa brasileira teve acesso à festa. Os atletas ficaram nos seus quartos. Nem o técnico Carlos Alberto Parreira compareceu à festividade.
Numa era em que o celular não era uma realidade para as transmissões, o gravador em punho passava a ser a obrigação número um. A circulação em meio aos convidados não era tão restrita. Por certo me cruzei com ministros, grandes empresários, embaixadores, talvez até com o Presidente da República. Não interessava. Eu queria era Maradona. Com os salões repletos, por volta das 21 horas, um tumulto anunciou a chegada da estrela. Entre muitos seguranças e uma unanimidade de fãs, o maior ídolo argentino começou a caminhar sem destino pelo grande saguão em meio a gritos, choro e súplicas por autógrafos num tempo em que não existia a selfie.
Desnorteado como o craque estavam os repórteres e, numa volta sem nenhuma orientação ou objetivo, mas sempre com o gravador ligado, me deparei cara a cara com ele: eu fiquei na frente de Diego Maradona, e ele parou. Por uma fração de segundos senti a consagração chegando e, colocando o microfone na boca do deus argentino, emendei:
- Maradona, fale para o Brasil. O que significa este momento?
Da mesma maneira abrupta com que estancou na minha frente, ele olhou para os lados e, com exclusividade para a Rádio Gaúcha, pronunciou-se:
- "No lo sé...Donde está mi mujer?" (Não sei...Onde está minha mulher?)
Óbvio que a frase não tinha a mínima relação com a pergunta que fora feita e este jornalista possivelmente nem fora percebido, embora praticamente batendo nariz com nariz. O importante, porém, é que uma manifestação com a voz do ídolo estava gravada.
Com a mesma rapidez que apareceu, Maradona sumiu em meio aos convidados. sendo conduzido para um local reservado onde Cláudia, sua primeira mulher, o esperava. Imediatamente procurei um telefone público no próprio hotel, fiz uma ligação a cobrar para o Brasil, entrei no ar para descrever a situação e, não podia ser diferente, coloquei o bocal do aparelho na frente alto-falante do gravador e reproduzi a frase angustiada da maior estrela do futebol argentino, relatando o contexto em que ela foi proferida. Desde aquele dia, no hoje distante fevereiro de 1993, digo para todos que um dia entrevistei Maradona. Mais do que nunca seguirei contando a história de ter estado junto com um dos maiores gênios do futebol de todos os tempos.