A gritaria é também sintoma da surdez. Fomos perdendo a capacidade de ouvir. Não só no WhatsApp, mas também no resto da vida. A hipersensibilidade gerada pela tensão se transformou em um gatilho incontrolável. Ninguém consegue argumentar por mais de 10 segundos. Inevitavelmente, o interlocutor, principalmente se contrariado, pulará com uma resposta incisiva e, muitas vezes, agressiva. Linhas de raciocínios são cortadas por obstáculos intransponíveis. Se tornaram inviáveis.
Ouvir não é simplesmente estar calado enquanto o outro fala. Ouvir é prestar atenção, se conectar nas razões do interlocutor para, só depois, discordar – ou não – do que efetivamente foi exposto. No Brasil de 2019, a maior parte das conversas se tornou inútil, porque, de fato, não são conversas. São embates nos quais as convicções já chegam prontas e solidificadas. O que importa é ter razão e não construir consensos.
Com isso, nos fragilizamos como sociedade. Viramos massa de manobra, mas nos cremos protagonistas. Se escuta com naturalidade, por aí: “Sou Lula” ou “Sou Bolsonaro”. Transferir a identidade a outro é sintoma de preguiça – moral e intelectual. Abrimos mão da capacidade de pensar sozinhos para aderir, cegamente, a um pacote do qual só vemos a embalagem.
Fomos escorregando lentamente para o pântano do “quem não está comigo é contra mim”. Assim, a crítica pontual vira afronta coletiva. Não é. Atrás desse biombo se escondem os medíocres e os radicais. A protegê-los, exércitos de zumbis, dedos em riste e ouvidos mortos.