Ele para diante do prato de alfaces com jeito de quem precisa tomar uma decisão importante. Olha tudo sem a menor pressa. Belisca uma folha com o pegador e a inspeciona. Encontra alguma imperfeição ou desconfia do tom do verde. Começa tudo outra vez. De repente, se vira e puxa assunto com o colega de departamento logo atrás. “E a reunião de hoje, hein?”.
O chato do bufê é uma praga que se prolifera nas empresas e nos restaurantes. Ele demora, atrapalha, hesita. Adora responder mensagens de WhatsApp enquanto o resto do mundo aguarda. Se serve de todos os temperos, esquece de pegar talhares, deixa o prato no balcão e volta. Só restaram três bifes na travessa? Ele trava e espera a reposição. Azar dos outros, que têm pouco tempo para almoçar.
Aprendi a admirar um colega que durante décadas trabalhou na RBS. Clóvis Malta é budista. Um poço de paz e respeito ao próximo. Almoçávamos várias vezes juntos e ele, invariavelmente, repetia um ritual que, no princípio, parecia excêntrico. Todos os dias, inspecionava de ponta a ponta os balcões do bufê, por fora da fila, antes de pegar a bandeja e se servir. Numa das primeiras vezes em que testemunhei a estranha liturgia, perguntei por que ele fazia aquilo. “Olho tudo antes e aí planejo o que e quanto vou pegar”, respondeu, com sua proverbial calma de monge tibetano. O Malta passava pelo bufê com a agilidade e a determinação de um leopardo rastejando na savana. Isso quando o mala na nossa frente não vasculhava por 10 minutos o prato de pasteis a procura do mais torradinho.