Estreia nesta quinta-feira (9) nos cinemas um dos prováveis rivais de Ainda Estou Aqui no Oscar de melhor filme internacional, se for confirmada a expectativa de indicação do drama brasileiro: A Semente do Fruto Sagrado (Daneh Anjeer Moghadas, 2024). Apesar de ser escrito e dirigido por um iraniano, Mohammad Rasoulof, ambientado no Irã e falado em persa, o longa-metragem representa a Alemanha na corrida por uma das cinco vagas na premiação da Academia de Hollywood.
É que a Alemanha abrigou Rasoulof, 52 anos, depois de sua fuga do Irã. O cineasta é um notório opositor do regime teocrático de seu país. Em Manuscritos Não Queimam (2013), acompanha dois assassinos de aluguel contratados pelo ministro da Cultura para matar um poeta famoso, conhecido por escrever textos contra o governo. Em Não Há Mal Algum (2020), conectou quatro histórias que questionam os ideais políticos do Irã e mostram como a vida sob regimes opressivos se resume a uma escolha entre resistir e sobreviver. O filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, mas o diretor não pôde receber o prêmio porque estava proibido de viajar ao Exterior. Em julho de 2022, foi preso depois de criticar a repressão das autoridades aos manifestantes na cidade de Abadan, após o trágico desabamento de um edifício.
Mohammad Rasoulof filmou A Semente do Fruto Sagrado secretamente, ao longo de 70 dias entre o final de dezembro de 2023 e março de 2024. Depois que o longa foi selecionado para disputar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o governo iraniano aumentou o cerco sobre o diretor. Interrogou o elenco e a equipe técnica, impedindo que deixassem o país e pressionando-os a convencer o cineasta a retirar o título da competição.
Em 8 de maio, seu advogado anunciou que Rasoulof havia sido condenado a oito anos de prisão e também a açoitamento, multa e confisco de bens. Pouco depois, o diretor e alguns integrantes do filme, como as atrizes Mahsa Rostami e Setareh Maleki, empreenderam uma "jornada exaustiva, longa (foram 28 dias), complicada e angustiante", nas palavras do diretor, para escapar do Irã. No tapete vermelho do festival francês, ele segurou duas fotos mostrando os atores Soheila Golestani e Missagh Zareh, ambos incapazes de sair do país asiático.
Cannes marcou o início de uma trajetória de consagração. Lá, A Semente do Fruto Sagrado recebeu um prêmio especial do júri e o troféu da Fipresci, a federação internacional de críticos de cinema. Depois, venceu em uma escolha do público no Festival de San Sebastian, na Espanha, e concorreu nas categorias de melhor filme, direção e roteiro na premiação da Academia Europeia.
Nos Estados Unidos, foi apontado como o melhor filme internacional pela National Board of Review e foi indicado ao Globo de Ouro de longa em língua não inglesa. Entre os críticos de Los Angeles, Mohammad Rasoulof foi eleito como melhor diretor.
O título original (traduzido para o inglês como The Seed of the Sacred Fig) refere-se a uma espécie de figueira cujas raízes crescem sufocando outras árvores — o que foi visto como uma metáfora da teocracia no Irã. A trama se desenrola no contexto dos protestos sob o slogan "Mulheres, Vida, Liberdade", nascidos a partir das mortes de jovens que teriam infringido o rígido código de vestimenta feminina — não usaram (ou usaram de forma considerada incorreta) o hijab, o véu que cobre a cabeça e o pescoço das muçulmanas.
Ao longo de suas duas horas e 48 minutos — que jamais cansam, acredite —, o filme insere imagens reais, muitas delas captadas via celular, das manifestações e da subsequente repressão policial após o caso Mahsa Amini. A jovem foi detida pela Polícia da Moralidade de Teerã em 13 de setembro de 2022, por deixar uma mecha do cabelo aparecer. Ela entrou em coma e morreu três dias depois, em um hospital. O governo afirmou que Mahsa faleceu devido a uma doença, mas sua família diz que houve espancamento.
O personagem principal se chama Iman (Missagh Zareh), que acaba de ser nomeado juiz de instrução no Tribunal Revolucionário da capital iraniana. O cargo significa um salário mais alto e um apartamento maior para a família — a esposa devota, Najmeh (Soheila Golestani), e as duas filhas, a universitária Rezvan (Mahsa Rostami) e a adolescente Sana (Setareh Maleki). Mas também significa uma violência a seus códigos morais e a sua ética profissional: Iman é orientado a assinar sentenças de morte sem sequer ler os relatórios dos casos.
Por causa do seu trabalho, o protagonista deve ocultar informações de seus parentes e de seus amigos e, para sua proteção, ganha uma arma — que, ao desaparecer dentro de casa, se torna motivo da desconfiança e da paranoia do personagem, que evoluem para a discórdia com a família. A agitação política nas ruas de Teerã inevitavelmente se reflete no lar de Iman, que vira um símbolo de como um regime totalitário pode transformar um guardião da justiça, um homem íntegro e um marido e pai amoroso em um monstro dominado pelo medo e sedento pelo poder.
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