Air: A História por Trás do Logo (Air, 2023), que a RBS TV exibe às 22h25min desta segunda-feira (16), na Tela Quente, é um programa imperdível para quem acompanha a NBA, a liga norte-americana de basquete; está entre os milhões de fãs de Michael Jordan, considerado o melhor jogador de todos os tempos (venceu seis campeonatos pelo Chicago Bulls e duas medalhas de ouro pela seleção olímpica dos Estados Unidos); e curte filmes sobre bastidores esportivos, como Jerry Maguire: A Grande Virada (1996), Um Domingo Qualquer (1999), Moneyball: O Homem que Mudou o Jogo (2011) e High Flying Bird (2019).
Dito isso, vale dar dois avisos sobre o quinto longa-metragem dirigido por Ben Affleck, que traz no currículo o ótimo Atração Perigosa (2010) e o oscarizado Argo (2012) e aqui retoma sua parceria com o amigo Matt Damon. Juntos, eles ganharam o Oscar de roteiro original por Gênio Indomável (1997) e atuaram em nove filmes, incluindo este último, Dogma (1999), O Último Duelo (2021) e o próprio Air, que concorreu ao Globo de Ouro nas categorias de melhor comédia ou musical e de melhor ator (Damon).
O primeiro aviso é que Air praticamente não pisa em quadra. Passes e cestas aparecem em cenas de um vídeo assistido pelo protagonista, o executivo de marketing esportivo Sonny Vaccaro (Damon), e a ação do roteiro escrito pelo estreante Alex Convery se concentra nos escritórios da Nike, marca que, em 1984, está muito atrás na venda de tênis: detém 17% do mercado estadunidense, contra 54% da Converse e 29% da Adidas. O clima derrotista decorrente desses números empresta mais morbidez à anedota sobre como surgiu o célebre slogan "Just do it" (apenas faça, em português) — se você desconhece a origem, saiba que é verdade o que contam em cena. O lance de três pontos capaz de mudar o rumo do jogo é assinar contrato com alguma estrela ou promessa da NBA.
Como mostra o início da trama, após uma colagem muito bem feita que resume o mundo, a moda e as personalidades da época, Sonny é um apostador — no bom e no mau sentido. Tem um faro para descobrir talentos do basquete país afora, mas também mão solta para gastar em cassinos durante conexões em Las Vegas. No trabalho, ele terá de convencer três superiores — o ex-jogador Howard White (papel do comediante Chris Tucker), o gerente Rob Strasser (Jason Bateman) e Phil Knight (Affleck), cofundador da empresa localizada em Beaverton, no Oregon — a autorizar uma grande aposta. Sonny quer que a Nike, em vez de patrocinar três ou quatro atletas da NBA, use todo o orçamento da divisão de basquete para seduzir Michael Jordan, então um calouro de 21 anos recém recrutado pelo Chicago Bulls.
O desafio interno soma-se a um externo: Jordan está muito mais inclinado a fechar com a Adidas e não gosta nem um pouco da Nike, conforme informa o agente David Falk, um personagem deliciosamente arrogante, falastrão e workaholic ("Eu não tenho amigos, eu tenho clientes") interpretado por Chris Messina.
Como Sonny vai contornar esses obstáculos? Como vai dar início a uma das parcerias mais longevas e bem-sucedidas do marketing esportivo, que entre 2018 e 2022 gerou US$ 19 bilhões em vendas para a Nike e que só no ano passado teria rendido US$ 256 milhões para Michael Jordan?
É hora do segundo aviso: Air pode remeter a um filme sem nenhuma semelhança aparente, pois é ambientado no universo da música e na década de 1960. Trata-se de Green Book (2018), um dos mais embaraçosos ganhadores do Oscar. Era para ser a história de um pianista de jazz, Don Shirley, que enfrentou o racismo em uma turnê pelo sul dos Estados Unidos, em 1962. Pelas mãos do diretor Peter Farrelly, tornou-se a história de um homem branco (motorista e segurança do artista) que ensina quase tudo ao negro.
Ben Affleck não põe ninguém a dar lições de basquete a Michael Jordan, mas algumas de suas escolhas narrativas dão margem para críticas parecidas.
Para começar, Jordan sequer chega a ser um personagem, é mais uma ideia, uma aura — encarnado por Damian Young, é visto apenas de relance, mesmo nas cenas em que sua presença física e as reações de seu rosto têm importância. Quem de fato faz as vezes do jogador é Viola Davis, excelente como de hábito no papel de Deloris Jordan, a determinada e objetiva mãe do futuro astro.
Ainda que Deloris represente o filho e que, por meio dela, Air sinalize sobre o quão disruptivo foi o contrato firmado com a Nike e faça refletir sobre a natureza desses negócios (afinal, quem promove quem?), a ausência de Michael Jordan joga todo o peso do filme para o personagem de Matt Damon. É ele o herói da persistência ("Não gosto de aceitar não como resposta e acho que seu filho deveria trabalhar com alguém que tem a mesma mentalidade"). É ele o craque das frases de efeito ("Precisamos de você neste tênis, não para ter sentido em sua vida, mas para que possamos ter sentido na nossa"). É ele o iluminado que percebeu todo o potencial de Jordan e que sabe mudar a abordagem e o discurso quando o jogo não está dando certo. Sonny Vaccaro é o típico salvador branco hollywoodiano.
É assinante mas ainda não recebe minha carta semanal exclusiva? Clique aqui e se inscreva na newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano