É impossível não considerar B.O. (2023) uma versão brasileira da estadunidense Brooklyn Nine-Nine (2013-2021), mas seu astro, Leandro Hassum, diz que a principal inspiração da sua primeira série na Netflix foi The Office (2005=2013), sobretudo o personagem Michael Scott, o chefe sem noção.
— É uma workplace comedy que poderia acontecer em qualquer lugar, mas calhou de ser uma delegacia — diz em entrevistas o ator sobre os oito episódios de sua quarta parceria com a plataforma de streaming, depois de três filmes: o bom Tudo Bem no Natal que Vem (2020), Amor Sem Medida (2021), que recebeu muitas críticas pelo capacitismo (o comediante teve sua altura diminuída digitalmente para interpretar um personagem com nanismo que faz par romântico com Juliana Paes) e Vizinhos (2022), com Maurício Manfrini.
Hassum inclusive afirma que só assistiu a Brooklyn Nine-Nine após ter a ideia para fazer B.O. (sigla de boletim de ocorrência), que foi criada por Carol Garcia, César Amorim, Fabíola Alves e Victor Rodrigues e tem direção geral de Pedro Amorim. Mas, além do cenário e do gênero, há muitos pontos que permitem comparações.
Se na série estadunidense a entrada de um novo chefe altera a dinâmica na delegacia, o mesmo ocorre na brasileira — com a diferença fundamental de que lá o capitão Holt é coadjuvante, e aqui o delegado Suzano (Leandro Hassum) tem o protagonismo. Entre os personagens similares, estão a inspetora Mantovani (Luciane Paes, de O Animal Cordial, um dos destaques no elenco de B.O.), obstinada e durona como a agente Rosa, Rabecão (Digão Ribeiro), negro e fortão à maneira do ator Terry Crews, e Guerra (Babu Carreira), com um tipo de humor que remete ao de Gina. As transições de cena são semelhantes, e, como bem apontou a jornalista Luiza Stevanatto no Uol, a competição de covers da dupla Sandy & Júnior corresponde à sequência dos suspeitos cantando I Want It That Way em Brooklyn Nine-Nine.
Mas existe outra diferença fundamental. Se em B99 o detetive Jake Peralta se acha o máximo, mesmo sendo imaturo, em B.O. o delegado Suzano tem plena consciência de sua mediocridade. Ele é um herói por acaso na guerra contra o crime. Essa condição o alçou do fictício Campo Manso para a Barra da Tijuca, onde, relutantemente, terá de lidar com a máfia dos caça-níqueis — e, claro, com a burocracia tipicamente brasileira.
A covardia de Suzano rende momentos engraçados, mas ao longo dessa primeira temporada a piada vai ficando com gosto de requentada. Menos mal que Hassum é suficientemente generoso para deixar o resto do elenco ganhar holofotes. Além de Luciana Paes — que, na pele de Mantovani, acaba misturando a dedicação ao trabalho com seus desejos amorosos —, Jefferson Schroeder, no papel do escrivão Estevão, aproveita muito bem os espaços, especialmente quando é requisitado seu talento para variar vozes. Outros personagens são mais opacos, como o veterano que se acha garotão Pardal (Taumaturgo Ferreira), ou mesmo irritantes, como a faxineira religiosa Zuleide (Josie Antello).
Presente no top 10 da Netflix, B.O. está longe de ser imperdível, mas até funciona se você estiver em busca de algo descompromissado. Aliás, acho que a série seria melhor se os episódios fossem mais independentes, sem prender o espectador a uma história maior — e desinteressante — que se desenvolve do primeiro ao oitavo episódio.